
Diego Galbinski
- Companhia X, na pessoa de sua Gerente Administrativa e Financeira, Sr.ª Y (“Consulente”), indaga se poderia compensar pagamentos de Contribuição para o Senai, Contribuição para o Sesi, Contribuição do Salário-Educação e Contribuição para o Incra (“contribuições para terceiros”), que foram computadas sobre base de cálculo acima do limite de 20 (vinte) salários mínimos vigentes no país, previsto pelo art. 4.º, parágrafo único, da Lei n. 6.950, de 4 de novembro de 1981 ([1]), a despeito da tese fixada pela col. 1.ª Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema Repetitivo 1.079, afetado ao Recurso Especial (REsp) 1.898.532/CE e ao Recurso Especial (REsp) 1.905.870/PR, em 09/04/2024, de que “a partir da entrada em vigor do art. 1º, I, do Decreto-Lei 2.318/1986, as contribuições destinadas ao Sesi, ao Senai, ao Sesc e ao Senac não estão submetidas ao teto de vinte salários” ([2]).
1.1. Na consulta, a Consulente esclarece que ingressou, recentemente, numa associação que havia impetrado mandado de segurança coletivo, a fim de assegurar o direito líquido e certo dos filiados à compensação dos pagamentos das contribuições para terceiros calculadas sobre base de cálculo acima do limite de 20 (vinte) salários mínimos vigentes no país.
1.2 Como o pedido formulado pela associação foi julgado procedente antes do julgamento do Tema Repetitivo 1.079 pela col. Primeira Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Consulente questiona se poderia aplicar também ao seu caso concreto a decisão a respeito da modulação dos efeitos, que preservou o direito de limitar a base de cálculo das contribuições para terceiros a vinte salários mínimos vigentes no país às “empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedidos administrativos até a data do início do presente julgamento, obtendo pronunciamento (judicial ou administrativo) favorável […] até a publicação do acórdão” ([3]).
- Com relação à indagação feita pela Consulente, não há dúvida que os efeitos subjetivos produzidos por sentença concessiva de segurança em mandado de segurança coletivo alcançariam, em tese, todos os associados do impetrante, independentemente da data da sua filiação. Esta questão já foi pacificada pelo col. Tribunal Pleno do eg. Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao julgar o Tema de Repercussão Geral 1.119, afetado ao Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1.293.130/SP, decidiu que “é desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil” ([4]).
2.1 No julgamento daquele leading case, porém, foi ressalvada pelo Min. Roberto Barroso a questão de os filiados de associações genéricas, “que não representam quaisquer categorias econômicas e profissionais específicas” ([5]), também poderem ser beneficiados por decisões em mandado de segurança coletivo. Em outras palavras, o problema da legitimidade ativa das associações genéricas para a impetração de mandado de segurança coletivo em benefício de seus associados permaneceu “em aberto e pode vir a ser arguido pela União e discutido pelas instâncias ordinárias e, inclusive, em outro momento, por esta Corte” ([6]), independentemente do entendimento firmado pelo col. Tribunal Pleno do eg. Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do Tema de Repercussão Geral 1.119, afetado ao Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1.293.130/SP.
- Sucede, entretanto, que, em 07/02/2024, a col. Segunda Turma do eg. Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE AgR) 1.339.496 e decidiu que associação genérica, como parece ser a associação para a qual se filiou a Consulente, não é parte legítima para impetrar mandado de segurança coletivo, a teor da seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS CONTRIBUINTES TRIBUTÁRIOS (ABCT). ARE N. 1.293.130-RG-ED/SP; TEMA RG N. 1.119: PARADIGMA NÃO APLICÁVEL AO CASO. RESSALVA REGISTRADA NO PRÓPRIO LEADING CASE. IDENTIFICAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO GENÉRICA. ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. No julgamento do ARE n. 1.293.130-RG/SP, Tema RG n. 1.119, o Supremo Tribunal Federal assentou a desnecessidade de apresentação de relação nominal de associados ou comprovação de filiação prévia para que fique configurada a legitimidade ativa de associação em mandado de segurança coletivo. 2. No julgamento do leading case, ressalvou-se o caso das chamadas associações genéricas, conforme voto-vogal do eminente Ministro Roberto Barroso: “Entendo, conforme consta do voto do relator, que, no caso concreto, esta Corte não analisou se associações genéricas, que não representam quaisquer categorias econômicas e profissionais específicas, como é o caso da ANCT, podem ter seus associados beneficiados por decisões em mandado de segurança coletivo. Ou seja, esse tema ainda está em aberto e pode vir a ser arguido pela União e discutido pelas instâncias ordinárias e, inclusive, em outro momento, por esta Corte.” 3. A agravada insere-se na hipótese de associação genérica, pela indeterminação de seu objeto social e de seu rol de associados, razão pela qual não aplicável, ao caso, a tese fixada no Tema RG n. 1.119. 4. Reconhecida a ilegitimidade ativa da ABCT. 5. Agravo regimental da União (Fazenda Nacional) ao qual se dá provimento, para negar provimento ao agravo em recurso extraordinário, revigorando-se o acórdão do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região ([7]).
3.1 Na ocasião, o argumento central utilizado pela col. Segunda Turma do eg. Supremo Tribunal Federal (STF) foi o seguinte:
[…] sem a determinação razoável das suas finalidades sociais, a associação deixa de informar ao Estado-juiz e à parte contrária quem de fato substitui ou representa. À ausência dessas informações essenciais sobre a associação, os demais sujeitos do processo têm por fulminadas suas correspondentes tarefas judicantes, na medida em que, não se sabe previamente a que fim se orienta a associação e com isso quais filiados ela, de fato, substitui. Daí é certa a afirmação de que a criação de uma associação sem uma determinação minimamente delineada de seu objetivo repercutirá na ofensa a princípios basilares do processo de envergadura constitucional, como o acesso à justiça, devido processo legal, contraditório e ampla defesa ([8]).
3.2 Apesar de não ter definido o que, a rigor, se poderia entender como uma associação genérica, o acórdão prolatado pela col. Segunda Turma do eg. Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1.339.496, citou algumas características suas, como poucos associados ou ausência deles, especialmente na circunscrição na qual o mandado de segurança foi impetrado; existência de objeto amplo que não permita delimitar grupo certo e específico; e comercialização dos provimentos jurisdicionais favoráveis (a exemplo do caso concreto).
- Por óbvio, este também é o entendimento do eg. Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF4):
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ASSOCIAÇÃO GENÉRICA.
O mandado de segurança não pode ser usado para obter prestação jurisdicional de natureza coletiva quando a associação impetrante tem um número irrelevante de associados e ainda falta clareza e objetividade quanto aos propósitos, interesses e pessoas representadas ([9]) .
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. AUTORIDADE COATORA. SUPERINTENDENTE REGIONAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. LEGITIMIDADE. DELIMITAÇÃO TERRITORIAL. LEGITIMIDADE ATIVA. ASSOCIAÇÃO GENÉRICA.
- No mandado de segurança coletivo visando o afastamento de cobrança de tributo, admite-se que se indique como autoridade coatora o Superintendente da Receita Federal do Brasil, o qual, ademais, exerce atividades de supervisão dos delegados.
- O mandado de segurança não pode ser usado para obter prestação jurisdicional de natureza coletiva quando a associação impetrante tem um número irrelevante de associados e ainda falta clareza e objetividade quanto aos propósitos, interesses e pessoas representadas ([10]).
- Ante ao exposto, a Consulente não pode compensar pagamentos de contribuições para terceiros computadas sobre base de cálculo acima do limite de 20 (vinte) salários mínimos vigentes no país por se filiar à associação cujo mandado de segurança coletivo foi julgado procedente antes do julgamento do Tema Repetitivo 1.079 pela col. Primeira Seção do eg. Superior Tribunal de Justiça (STJ).
5.1 Embora a decisão a respeito da modulação dos efeitos tenha preservado o direito de limitar a base de cálculo das contribuições para terceiros a vinte salários mínimos vigentes no país às “empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedidos administrativos até a data do início do presente julgamento, obtendo pronunciamento (judicial ou administrativo) favorável […] até a publicação do acórdão” ([11]), a col. Segunda Turma do eg. Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE AgR) 1.339.496, decidiu que associação genérica não é parte legítima para impetrar mandado de segurança coletivo. Este entendimento é seguido, por exemplo, pela jurisprudência atual do eg. Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF4).
5.2 Portanto, é inaplicável às associações genéricas o precedente que foi fixado pelo col. Tribunal Pleno do eg. Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema de Repercussão Geral 1.119, afetado ao Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1.293.130/SP, de que os efeitos subjetivos produzidos por sentença concessiva de segurança em mandado de segurança coletivo alcançariam todos os associados do impetrante, independentemente da data da sua filiação.
S.m.j., é o nosso parecer.
([1]) “Art 4.º. O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5.º da Lei n. 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Parágrafo único. O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.”
([2]) REsp 1.898.532/CE, STJ, S1, Rel.ª Min.ª Regina Helena Costa, vu, j. 13/03/2024, DJe 02/05/2024; REsp 1.905.870/PR, STJ, S1, Rel.ª Min.ª Regina Helena Costa, vu, j. 13/03/2024, DJe 02/05/2024.
([3]) REsp 1.898.532/CE, STJ, S1, Rel.ª Min.ª Regina Helena Costa, vu, j. 13/03/2024, DJe 02/05/2024; REsp 1.905.870/PR, STJ, S1, Rel.ª Min.ª Regina Helena Costa, vu, j. 13/03/2024, DJe 02/05/2024.
([4]) ARE 1.293.130/SP, STF, Rel. Min. Luiz Fux, vu, j. 17/12/2020, DJe 08/01/2021.
([5]) ARE 1.293.130/SP, STF, Rel. Min. Luiz Fux, vu, j. 17/12/2020, DJe 08/01/2021.
([6]) ARE 1.293.130/SP, STF, Rel. Min. Luiz Fux, vu, j. 17/12/2020, DJe 08/01/2021.
([7]) ARE 1339496 AgR, STF, T2, Rel. Min. Edson Fachin, mv, j. 07/02/2023, DJe 10/04/2023.
([8]) ARE 1339496 AgR, STF, T2, Rel. Min. Edson Fachin, mv, j. 07/02/2023, DJe 10/04/2023.
([9]) 5001417-44.2021.4.04.7201, TRF4, T1, Rel. Juiz Federal Alexandre Rossato da Silva Ávila, vu, j. 12/04/2023, DJe 12/04/2023.
([10]) AC 5067055-45.2021.4.04.7000, TRF4, T1, Rel. Juiz Federal Andrei Pitten Velloso, vu, j. 21/06/2024, DJe 21/06/2024.
([11]) REsp 1.898.532/CE, STJ, S1, Rel.ª Min.ª Regina Helena Costa, vu, j. 13/03/2024, DJe 02/05/2024; REsp 1.905.870/PR, STJ, S1, Rel.ª Min.ª Regina Helena Costa, vu, j. 13/03/2024, DJe 02/05/2024.