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abril 2021

Parecer. Risco de Desconsideração de Planejamento Tributário

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Prezado(s) Senhor(es),

No presente parecer, responderemos à consulta formulada por Companhia X  (>>Consulente<<) sobre a probabilidade do risco (remoto; possível, mas não provável; provável) de desconsideração do planejamento tributário, que a Consulente executou para elidir, na maior medida possível, a tributação do ganho de capital, decorrente de (futura) alienação de bem(ns) imóvel(is).

1.º Considerações Iniciais

Do nosso ponto de vista, a autoridade administrativa poderá desconsiderar o planejamento tributário da Consulente, se chegar à conclusão de que os bens imóveis foram vertidos, através de sua cisão parcial, a favor da nova sociedade, para dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. A título meramente elucidativo, a competência de a autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados pelo contribuinte para dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária é atribuída pelo parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN), que dispõe o seguinte:

>>Art. 116. […] Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.<<

Segundo esta cláusula geral, denominada cláusula geral de antielisão tributária, a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados pelo contribuinte, na presença de simulação (absoluta ou relativa). No caso, porém, a versão do bens imóveis, a favor da nova sociedade, através de sua cisão parcial, não foi praticada pela Consulente, seja na presença de simulação absoluta (simulação), seja na presença de simulação relativa (dissimulação).

A seguir, demonstraremos que o ato ou negócio jurídico praticado pela Consulente para elidir, na maior medida possível, a tributação do ganho de capital, decorrente de (futura) alienação de bem(ns) imóvel(is), não violou qualquer lei formal. Visto que >>as opções alternativas no terreno do Direito Privado têm como únicas consequências tributárias aquelas que resultam taxativamente da lei (princípio da tipicidade) com exclusão de quaisquer outras<<, a Consulente podia se mover >>livremente, com segurança, para além das zonas rigidamente demarcadas pelos tipos legais de tributos<< ([1]): é a chamada liberdade fiscal.

Com base nesta premissa, concluiremos que a tributação do ganho de capital, decorrente de (futura) alienação de bem(ns) imóvel(is), não foi elidida pela Consulente, através da prática de ato ou negócio jurídico simulado ou dissimulado. Ao contrário, os bens imóveis foram vertidos, a favor da nova sociedade, através de sua cisão parcial, no exercício da liberdade fiscal, isto é, no >>campo em que os particulares podem agir livremente sem que tenham que assumir o dever tributário<< ([2]).

 

2.º Da Legalidade Tributária

 2.1 Evolução Histórica

O ponto de partida da liberdade fiscal, que dá fundamento à elisão, na maior possível, da tributação do ganho de capital, decorrente da alienação de bem(ns) imóvel(is), no caso, é o princípio jurídico da legalidade tributária, já que a liberdade fiscal não é nada mais nada menos do que um dos desdobramentos possíveis da eficácia negativa da legalidade tributária. Na história, a legalidade tributária foi consagrada pelo Estado Liberal, que limitou o poder público, através da prescrição de inúmeras proibições, como a no taxation without representation. À época, a legalidade tributária integrava o conjunto de instrumentos utilizados para a divisão do poder e a proteção dos direitos, em especial dos direitos individuais: >>La primeira solicitación del Estado de Derecho es la limitiación del poder, la prevención del posible abuso de poder del que eventualmente domine y la vinculación al Derecho<<, ensina Larenz ([3]). É o que se chama justiça protetiva, que pode ser traduzida como a ideia de que >>Todo poder de un hombre sobre otro hombre tiene que ser limitado>> ([4]), haja vista que, se <<angels were to govern men, neither external nor internal controls on government would be necessary<< ([5]).

A partir das cartas medievais, a legalidade tributária mudou a relação fiscal: inicialmente, uma relação de poder, ela adquiriu natureza jurídica, com a personalização do poder público ([6]). No ordenamento jurídico brasileiro, a legalidade tributária foi consagrada, desde a Constituição de 1824:

(i) >>Todas as contribuições diretas, à exceção daquelas, que estiverem aplicadas aos juros, e amortização da Dívida Pública, serão anualmente estabelecidas pela Assembleia Geral, mas continuarão, até que se publique a sua derrogação, ou sejam substituídas por outras<< (Constituição de 1824, Art. 171); 

(ii) >>nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em virtude de uma lei que o autorize<<(Constituição de 1891, Art. 72, § 30);

(iii) >>É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios […] cobrar quaisquer tributos sem lei   especial   que   os autorize<< (Constituição de 1934, Art. 17, VII);

(iv)  >>A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes […] Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que  a lei  o estabeleça<< (Constituição de 1946, Art. 141); e

(v) >>é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios […] instituir ou aumentar tributo sem  que  a lei  o estabeleça<< (Constituição de 1967, Art. 20, I).

Atualmente, o art. 150, I, da Constituição de 1988, que prescreve >>Sem prejuízo de outras garantias, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça<<, consagra a legalidade tributária, no ordenamento jurídico brasileiro.

2.2 Natureza Jurídica

Com relação à natureza jurídica, a legalidade tributária é uma garantia individual. No Supremo Tribunal Federal (STF), prevaleceu a tese segundo a qual as limitações constitucionais ao poder de tributar pertencem à categoria jurídica das garantias individuais, por protegerem direitos fundamentais que refletem >>em seus aspectos essenciais, uma das expressões fundamentais, […] dos direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes<< ([7]).

De acordo com o STF, a natureza jurídica de garantia individual das limitações constitucionais ao poder de tributar decorreria do art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988, que consagrou, no ordenamento jurídico brasileiro, o conceito aberto dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, isto é, >>Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte<<. Nas palavras do Min. Marco Aurélio, >>não temos, como garantias constitucionais, apenas o rol do artigo 5º da Lei Básica de 1988. Em outros artigos da Carta encontramos, também, princípios e garantias do cidadão, nesse embate diário que trava com o Estado, e o objetivo maior da Constituição é justamente proporcionar umaigualação das forças envolvidas – as do Estado e as de cada cidadão considerado de per se.<< ([8])

O conceito aberto dos direitos, liberdades e garantias fundamentais originou-se da Nona Emenda da Constituição Americana, segundo a qual >>A enumeração de certos direitos na Constituição não será interpretada de modo a negar ou restringir outros retidos pelo povo<< ([9]). Lá, como aqui, os direitos, liberdades e garantias fundamentais são normas com >>fattispecie aberta, de forma a abranger, para além das positivações concretas, todas as possibilidades de direitos que se propõem no horizonte da acção humana<< ([10]), ou seja, >>direitos que, por seu conteúdo, por sua substância, pertencem ao corpo fundamental da Constituição de um Estado, mesmo não constando no catálogo<< ([11]).

De fato, a legalidade tributária, como limite constitucional ao poder de tributar, exerce a função de proteger três valores jurídicos, que subjazem direitos fundamentais, desde a concepção do Estado liberal:

(i)  segurança jurídica;

(ii)  liberdade econômica; e

(iii)  propriedade particular.

A segurança jurídica é o valor que exige previsibilidade e estabilidade das leis tributárias: em outras palavras, a >>legítima aspiração da sociedade em conhecer, com antecedência, o ônus tributário que lhe será exigido<< ([12]). A legalidade tributária visa >>garantir o direito do contribuinte à segurança jurídica, essência do Estado do Direito, qualquer que seja a sua concepção<< ([13]), sobretudo no regime capitalista, onde >>a legalidade e a não-surpresa […] são, na qualidade de normas gerais, fundamentais para se garantir igualdade aos que disputam o mercado.<< ([14])

Por sua vez, a liberdade econômica atribui ao particular >>opção entre uma pluralidade de tipos ou modelos negociais […] que o Direito Privado oferece para a realização do escopo<< ([15]). Por via de conseqüência lógica, >>a liberdade de configuração dos mesmos ao abrigo da autonomia da vontade<< ([16]) reclama que >>as opções alternativas no terreno do Direito Privado tenham como únicas consequências tributárias aquelas que resultam taxativamente da lei com exclusão de quaisquer outras, pelo que os particulares se podem mover livremente, com segurança, para além das zonas rigidamente demarcadas pelos tipos legais de tributos<< ([17]).

Por fim, a propriedade particular proíbe que a obrigação tributária seja criada, de maneira arbitrária, >>pelo Estado ou pela livre vontade dos seus órgãos ou agentes<< ([18]). A lei formal constitui a >>regra primária indispensável ao desenvolvimento da   actividade   administrativa<< ([19]),   sendo >>decisão emergente de um procedimento onde participaram forças sociais e políticas, majoritárias e minoritárias, representadas no parlamento<< ([20]), que presume o >>consentimento (auto-ordenação) dos cidadãos relativamente às medidas nela previstas<< ([21]).

Os valores da segurança, liberdade e propriedade, que subjazem a legalidade tributária, justificam os direitos fundamentais de primeira geração, que protegem a >>esfera individual do homem perante possíveis interferências do poder público<< ([22]). Na sua atual classificação, os direitos fundamentais de primeira geração correspondem à categoria jurídica dos direitos de defesa, que têm >>grande significado na solução de conflitos entre os interesses dos particulares e o Estado, colocando-se como instrumento de defesa da pessoa humana, quando os interesses  estatais  colocam-se  de   maneira  superior  aos  interesses particulares<< ([23]).

Na categoria jurídica dos direitos de defesa,

>>a relação entre indivíduo e Estado (constitui) uma relação de proteção do indivíduo contra investidas do Poder, porque o Estado põe o Direito, dando vida ao mundo jurídico. O indivíduo, à medida que assume a posição de mero destinatário das emanações do Poder, um destinatário daquela habilidade de produção do Direito, passa, então, a ter de se proteger contra o exercício abusivo daquele Poder.<< ([24])

Realmente, os direitos de defesa pressupõem este tipo de relação entre indivíduo e Estado, uma vez que garantem aos particulares >>uma esfera de liberdade, outorgando […] um direito subjetivo que lhe permita evitar interferências indevidas no âmbito de proteção do direito fundamental ou mesmo a eliminação de agressões que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia individual<< ([25]).

Esta categoria de direitos fundamentais tem duas eficácias jurídicas:

(i) uma eficácia jurídica positiva, como >>normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera individual<< ([26]); e

(ii) uma eficácia jurídica negativa, como >>poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos<< ([27]).

Portanto, a legalidade tributária é garantia individual, por ter >>papel instrumental em relação aos direitos fundamentais, servindo como instrumentos de efetivação dos direitos por ela protegidos, além de legitimarem ações estatais para defesa dos direitos fundamentais<< ([28]), especialmente da segurança jurídica,  da liberdade econômica e da propriedade particular. Como toda garantia individual, a legalidade tributária produz duas eficácias jurídicas:

(i)  uma eficácia jurídica positiva, que se manifesta como a regra jurídica da tipicidade tributária; e

(ii) uma eficácia jurídica negativa, que se manifesta como o princípio jurídico da liberdade fiscal.

 

3.º Da Tipicidade Tributária

A eficácia positiva da legalidade tributária se manifesta como a regra jurídica da tipicidade tributária. De acordo com esta regra, >>as normas que instituem tributos [devem ser] o critério da decisão concreta, predeterminando integralmente o seu conteúdo<< ([29]).

No ordenamento jurídico brasileiro, a tipicidade tributária foi consagrada pelo art. 97 do CTN, que dispõe o seguinte:

>Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3˚ do art. 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; V a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção dos créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1˚ Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2˚ Não constitui majoração do tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.<<

A tipicidade tributária adquiriu status constitucional, no art. 146, III, da Constituição de 1988:

>>Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.<<

A tipicidade tributária se desdobra nas seguintes regras:

(i) regra da seleção, segundo a qual as normas tributárias devem ser casuísticas ([30]);

(ii) regra do numerus clausus, segundo a qual as normas tributárias devem ser completas ([31]);

(iii) regra do exclusivismo, segundo a qual as normas tributárias devem ser precisas (32); e

(iv) regra da determinação, segundo a qual as normas tributárias devem ser expressas (33).

Por exercer a função de proteger os valores da segurança jurídica, liberdade econômica e propriedade particular, a tipicidade tributária exige que a reserva de lei seja absoluta, para vincular >>toda a actividade da Administração […] a encontrar um fundamento específico num acto legislativo emanado do Parlamento […]<< (34), através da previsão do >>próprio critério de decisão do órgão de aplicação do direito no caso concreto […] o qual se obtém por mera dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o fato na norma, independentemente de qualquer valoração pessoal<< (35).

A ideia da reserva absoluta de lei contrapõe-se à da reserva relativa de lei, segundo a qual >>a lei se limita a definir o ‘regime jurídico geral’   […],   consentindo   o   seu   desenvolvimento   […]   através   de   actos regulamentares<< ([32]).  Todavia, ao contrário da reserva absoluta, a reserva relativa não promove, na maior medida possível, a garantia individual da legalidade tributária, pois um sistema móvel assegura >>a segurança jurídica em menor medida do que um sistema imóvel, fortemente hierarquizado com previsões normativas firmes. Nos âmbitos onde exista uma necessidade de segurança jurídica mais elevada, deve-se preferir o último – previsão normativa rígida<< ([33]).

 

4.º Da Liberdade fiscal

Por causa da reserva absoluta de lei, as normas tributárias devem ser aplicadas conforme o tipo de racionalidade jurídica, denominada racionalidade de subsunção, que promove, na maior medida possível, os <<valores certeza e segurança, […] porque a premissa maior é a lei, a premissa menor é o fato e a conclusão seria a decisão jurídica>> ([34]). A racionalidade de subsunção incorpora, no universo do raciocínio jurídico, o método lógico-dedutivo, que constitui uma das racionalidades aristotélicas, segundo a qual >>postas algumas premissas (ao menos duas, denominadas respectivamente ‘maior’ e ‘menor’), alguma coisa de diverso delas (denominada ‘conclusão’) resulta necessariamente, somente pelo fato de existirem […] As premissas […] são a causa necessária e ao mesmo tempo suficiente da conclusão, por isso a conclusão resulta necessariamente delas<< ([35]).

A partir da premissa de que a aplicação jurídica da norma tributária corresponderia a uma dedução lógica decorrente da subsunção do fato à norma, toda vez que o fato não se subsume à norma, ocorre o fenômeno chamado lacuna de tipicidade, que pode ser melhor explicado, através da seguinte ilustração:

(i) a legislação tributária, por exemplo, dispõe que industrializar bebidas alcóolicas constitui um dos fatos geradores do imposto sobre produtos industrializados;

(ii) segundo esta norma tributária, quem industrializa bebidas alcóolicas deve pagar o imposto sobre produtos industrializados;

(iii) a contrario, quem não industrializa bebidas alcoólicas não deve pagar o imposto sobre produtos industralizados;

(iv) de acordo com a racionalidade de subsunção, a norma tributária do imposto sobre produtos industrializados não deve ser aplicada, se o contribuinte não industrializar bebidas alcóolicas;

(vii) porque o fato de o contribuinte não industrializar bebidas alcóolicas não se subsume à norma tributária do imposto sobre produtos industrializados, conforme o argumento a contrario (lacuna de tipicidade).

De uma maneira geral, o argumento a contrario, que justifica o fenômeno da lacuna de tipicidade, repousa sobre a >>presunción de que existe una perfecta correspondencia entre la intención del legislador y el texto normativo, e induce a excluir que se pueda atribuir a una determinada disposición normativa un significado más amplio (más extenso) de aquél sugerido por la interpretación literal<< ([36]). Baseada em tal argumento, doutrina e jurisprudência chegaram ao consenso de que >>os casos não previstos (nas regras tributárias) submetem-se a regra geral excludente, recebendo tratamento jurídico oposto ao da regra particular que não os disciplina<< ([37]).

Como se pode observar, a lacuna de tipicidade cria um espaço de liberdade, onde o contribuinte pode escolher o meio fiscalmente menos oneroso: é a chamada liberdade fiscal. Desde a modernidade, a lacuna de tipicidade é a principal fonte das liberdades individuais, no sentido de que, >>Si x es una acción (hacer u omisión) y no está prohibida por una norma jurídica formal (…), entonces está permitida la realización de x<< ([38]). Esta idéia de liberdade individual, que permite >>a pessoa humana […] fazer tudo que não seja vedado ou delimitado pelo direito<< ([39]), foi consagrada pelo ordenamento jurídico brasileiro, no art. 5º, II, da Constituição de 1988 (>>ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei<<).

Desde o surgimento do Estado Liberal, a lacuna de tipicidade constitui um dos principais elementos do conceito de liberdade: >>In cases where the sovereign has prescribed no rule, the subject hath the liberty to do, or forbear, according to his own discretion<< ([40]). De acordo com este conceito, a liberdade seria o não-impedimento, >>a faculdade de agir sem ser dificultado pelos outros, e cada um então tem liberdade tão maior quanto maior for o âmbito no qual pode mover-se sem encontrar obstáculos<< ([41]). Este conceito moderno de liberdade dá fundamento às liberdades negativas, que garantem alternativas de ação, no sentido de que <<Una persona es libre en sentido negativo en la medida en que no le están vedadas alternativas de acción<< ([42]).

A lacuna de tipicidade, portanto, constitui a fonte da liberdade fiscal, segundo a qual <<as opções alternativas no terreno do Direito Privado têm como únicas consequências tributárias aquelas que resultam taxativamente da lei (princípio da tipicidade) com exclusão de quaisquer outras, pelo que os particulares podem se mover livremente, com segurança, para além das zonas rigidamente demarcadas pelos tipos legais de tributos>> ([43]). Seu exercício é a causa da elisão tributária, que corresponde a >>situações criadas pelo contexto do Direito Tributário Positivo que, por não estar compreendido dentro do catálogo legal das situações tributáveis existentes, pertence àquela área de proteção jurídica do particular […] na qual o Estado tributante não pode ingressar<< ([44]). No contexto atual, este fenômeno, que recebe também o nome de planejamento tributário, compõe intrinsecamente a atividade empresarial, que vai >>desde a chamada reorganização societária até a celebração de negócios jurídicos especialmente desenhados para aproveitar as vantagens e os vazios existentes nas leis tributárias<< ([45]).

 

5.º Dos Limites Imanentes da Liberdade Fiscal

A liberdade fiscal não é, porém, absoluta, porque os direitos,  liberdades e garantias fundamentais, no contexto do estado democrático de direito, são limitados. Atualmente, a teoria dos direitos fundamentais descreve que as constituições democráticas protegem, em geral, >>dois valores ou bens em contradição numa determinada situação<< ([46]), o que implica a limitação recíproca dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Dois tipos de limites jurídicos são previstos pelo ordenamento jurídico brasileiro aos direitos, liberdades e garantias fundamentais:

(i) limites explícitos, que são >>expressamente formulados no texto constitucional, em regra, no próprio preceito relativo ao direito fundamental, mas também em preceitos incluídos      noutras partes da Constituição<< ([47]); e

(ii) limites implícitos, que são >>determináveis por interpretação, pelo   facto   de   estarem   apenas   implícitos   no   ordenamento constitucional<< ([48]).

Ao contrário dos limites explícitos, os limites implícitos exigem um grande esforço hermenêutico. Na maioria das vezes, >>é muitas vezes difícil determinar os contornos da […] protecção, sobretudo quando o seu exercício se faça por modos atípicos ou em circunstâncias especiais, que afectam, de uma maneira ou de outra, valores comunitários ou outros direitos também constitucionalmente protegidos<< ([49]).

No caso da liberdade fiscal, o ordenamento jurídico brasileiro não dispõe limites explícitos, por não prever expressamente qualquer restrição às alternativas de ação que podem ser exercidas pelo contribuinte para escolher o meio menos oneroso fiscalmente. Com relação a outras liberdades, porém, como a liberdade de trabalho, o art. 5º, XIII, da Constituição de 1988 dispõe, por exemplo, que >>é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer<< (grifou-se).

Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe limites implícitos da liberdade fiscal, nomeadamente no art. 149, VII, do CTN: >>Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa: […] VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação<< (grifou- se). De acordo com o art. 149, VII, do CTN, o contribuinte não pode exercer a liberdade fiscal, através da prática de atos ou negócios jurídicos inválidos ou ineficazes, perante o direito privado: se são inválidos ou ineficazes perante o direito privado, por maior razão são inválidos ou ineficazes perante o direito tributário ([50]).

Como toda e qualquer liberdade fundamental, a liberdade fiscal exige >>uma ligação ética<< ([51]), já que as  liberdades fundamentais, em virtude do pluralismo (axiológico), que caracteriza as constituições democráticas, não permitem o arbítrio dos particulares. Por isso, os defeitos dos atos ou negócios jurídicos são limites imanentes da liberdade fiscal, na medida em que, >>se para atingir aquele efeito ou resultado econômico, o indivíduo violou regra jurídica ou eficácia jurídica<< ([52]), ele exerceu arbitrariamente a liberdade fiscal: é a chamada evasão  fiscal,  segundo a qual  >>o   contribuinte  se   utiliza  de comportamentos proibidos pelo ordenamento para diminuir, deixar de pagar ou retardar o pagamento de tributos<< ([53]).

No art. 149, VII, do CTN, foram incorporados os  os conceitos de dolo, simulação e fraude, definidos pelos arts. 145 a 150, 167 e 158 a 165 seguintes do Código Civil (CC). Conforme  a ideia de unidade interna do ordenamento jurídico, de que trata o art. 109 do CTN, >>Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas<<.

 

6.º Da Zona de Penumbra da Liberdade Fiscal

Portanto, o dolo, a fraude e a simulação são limites imanentes da liberdade fiscal: >>O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa [] quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.<<(CTN, Art. 149, VII) (grifou-se)

Entretanto, no plano da experiência ou prática jurídica, os limites imanentes da liberdade fiscal se situam, às vezes, numa zona de penumbra, sobretudo quanto se estiver perante um negócio indireto, de um lado, e simulação relativa (dissimulação), de outro. Ao contrário da simulação relativa (dissimulação), o contribuinte pratica um negócio indireto, quando pretende atingir fins diversos >>dos que representam a estrutura típica daquele esquema negocial<< ([54]). Em outras palavras, toda vez que utiliza >>um negócio […] para realizar um fim distinto do que corresponde à sua causa-função objetiva: daí a referência dos autores ao seu caráter ‘indireto’ ou oblíquo, anômolo ou inusual<< ([55]).

Por exemplo:

(i) >>a estrutura do negócio jurídico é elemento da previsão da norma tributária e a do negócio indireto não se encontra prevista em qualquer outro tipo de imposto<< ([56]);

(ii) >>a estrutura do negócio jurídico é […] elemento da previsão da norma tributária, enquanto que a do negócio indireto se encontra expressamente prevista numa norma de isenção<< ([57]);

(iii) >>o negócio direto é elemento da previsão normativa e o negócio indireto elemento de outro tipo legal, cujas conseqüências fiscais são menos onerosas<< ([58]).

simulação (absoluta ou relativa) constitui o defeito do ato ou negócio jurídico que decorre da <<divergência entre a vontade (vontade real) e a declaração (vontade declarada), procedente de acordo entre o declarante e o declaratório e determinada pelo intuito de enganar terceiros>> ([59]). A simulação pode ser  absoluta (simulação), >>quando a declaração de vontade exprime aparentemente um ato jurídico, não sendo intenção das partes efetuar ato algum<< ([60]) ou relativa (dissimulação), >>quando há efetivamente intenção de realizar algum ato jurídico, mas êste […] é de natureza diversa daquele que, de fato, se pretende ultimar, […] não é efetuado entre as próprias partes, aparecendo então o testa-de-ferro, o prestanome, ou a figura de palha […] não contém elementos verdadeiros, ou melhor, seus dados são inexatos<< ([61]).

Portanto,

>>na simulação, faz-se aparecer o que não existe, na dissimulação oculta-se o que é; a simulação provoca uma crença falsa num estado não real, a dissimulação oculta ao conhecimento dos outros uma situação existente; aquela procura uma ilusão externa, busca esta uma ocultação interna (dissimula-se o ódio, o rancor). Mas, em ambas, o agente quer o engano; na simulação, quer enganar sobre a existência de situação não verdadeira, na dissimulação, sobre a inexistência de situação real. Se a simulação é um fantasma, a dissimulação é uma máscara>> ([62]).

No direito tributário, são exemplos de simulação relativa (dissimulação):

(i) >>a lei fiscal tributa por qualquer forma o mútuo, os simuladores aparentam uma doação, pactuando, paralelamente, às ocultas, contra- declaração pela qual o donatário aparente se obriga a restituir os valores aparentemente doados<< ([63]); e

(ii) <<a lei fiscal tributa o mútuo concedido a pessoa jurídica, as partes efetuam à luz do sol um aumento de capital, enquanto na penumbra ajustam uma subseqüente redução de capital acrescida de juros<< ([64]).

Embora o negócio indireto e a simulação relativa (dissimulação), na teoria, sejam facilmente dissociáveis um do outro, na prática, situam-se, muitas vezes, numa zona de penumbra, que depende dos fins dos atos ou negócios jurídicos  praticados pelo contribuinte:

(i) selecionar o meio menos oneroso fiscalmente: negócio indireto;

(ii) dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária: simulação relativa (dissimulação).

Devido à falta de um critério objetivo, a jurisprudência distingue geralmente o negócio indireto, de um lado, e a simulação relativa, se ocorre violação da lei formal: o negócio indireto é o ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte que não viola a lei, enquanto a simulação relativa, o ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte que viola a lei.

Baseada em tal critério, a jurisprudência reconhece, por exemplo, que contrato de leasing dissimula compra e venda, toda vez que >>estiver contemplado em uma das situações de repúdio, previstas na Lei 6.099/74 (artigos 2º, 9º, 11, § 1º, 14 e 23)<< ([65]). De acordo com este entendimento, apenas nas hipóteses da lei >>é que se tem autorização legal para a descaracterização do arrendamento   mercantil   e   imputação   das   consequências<< ([66]). Em outras palavras, >>Não havendo nenhum dispositivo legal considerando como cláusula obrigatória para a caracterização do contrato de leasing a que fixe valor específico de cada contraprestação, há de se considerar como sem influência, para a definição de sua natureza jurídica, o fato das partes ajustarem valores diferenciados ou até mesmo simbólicos para efeitos da opção de compra.<< ([67])

A ementa do precedente é a seguinte:

>>TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO PELO FISCO.

  1. A jurisprudência tem entendido que o contrato de leasing deve ser respeitado como tal, em nome do princípio da liberdade de contratar.
  2. Somente quando o leasing estiver contemplado em uma das situações de repúdio, previstas na Lei 6.009/74 (artigos 2o, 9o, 11, § 1o, 14 e 23), é que se tem autorização legal para a descaracterização do arrendamento mercantil e imputação das conseqüências.
  3. Recurso especial improvido.<< ([68])

 

6.º Da Ausência de Violação da Lei Formal

Do nosso ponto de vista, o ato ou negócio jurídico praticado pela Consulente para elidir, na maior medida possível, a tributação do ganho de capital, decorrente da (futura) alienação de bem(ns) imóvel(is) é eficaz perante o direito tributário,  porque a versão dos bens imóveis, a favor da nova sociedade, através da sua cisão parcial, não violou lei formal. No caso, a Diretoria e o Conselho de Administração elaboraram e firmaram a justificativa e protocolo da cisão, que foi submetido para a aprovação da Assembleia Geral (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Arts. 224 e 225) ([69]). Para a instalação da Assembleia Geral, foi observado o quórum de, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito a voto, em primeira convocação. (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Art. 125) ([70]). Para a sua deliberação, foi observado o quórum de, no mínimo, metade das ações com direito a voto. (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Art. 136, IX)  ([71]).

Aprovada a justificativa e protocolo da cisão, a Assembléia Geral ratificou a nomeação dos peritos que avaliaram a parcela do patrimônio a ser transferida para a nova sociedade. Aprovado o laudo de avaliação, a Assembleia Geral funcionou como assembléia de constituição da nova sociedade. (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Art. 229, § 2º) ([72]). As ações da Consulente que corresponderam à parte do patrimônio vertido também foram substituídas por quotas da nova sociedade.

A violação da lei formal constitui, porém, o critério utilizado pela jurisprudência para declarar a existência de simulação relativa (dissimulação) na zona de penumbra da liberdade fiscal:

>>IRPF – GANHOS DE CAPITAL – SIMULAÇÃO – Para que se possa caracterizar a simulação, em atos jurídicos, é indispensável que os atos praticados não pudessem ser realizados, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a realização de aumentos de capital, a efetivação de incorporação e decisões, tal como realizadas e cada um dos atos praticados não é de natureza diversa daquele que de fato aparenta, isto é, se de fato e de direito não ocorreram atos diversos dos realizados, não há como qualificar-se a operação de simulada. Os objetivos visados com a prática dos atos não interferem na qualificação dos atos praticados, portanto, se os atos praticados eram lícitos, as eventuais conseqüências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos de elisão fiscal e não de evasão ilícita. […]. << ([73])

 >>[…] IRPJ – SIMULAÇÃO NA INCORPORAÇÃO. Para que se possa materializar é indispensável que o ato praticado não pudesse ser realizado, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. Se não existia impedimento para a realização da incorporação tal como realizada e o ato praticado não é de natureza diversa daquela que de fato aparenta, isto é, se de fato e de direito não ocorreu ato diverso da incorporação, não há como qualificar-se a operação de simulada. Os objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualificação do ato praticado. portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais conseqüências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos de elisão fiscal e não de evasão ilícita. (Ac. CSRF/01-01.874/94).<< ([74])

>>IRPJ – CSLL – SIMULAÇÃO – OPERAÇÕES DE SWAP. Para que se possa caracterizar a simulação relativa é indispensável que o ato praticado, que se pretende dissimular sob o manto do ato ostensivamente praticado, não pudesse ser realizado por vedação legal ou qualquer outra razão. Se as partes queriam e realizaram negócio sob a estrutura de swap para atingir indiretamente economia de tributos não restou caracterizada a declaração enganosa de vontade, essencial na simulação.<< ([75])

Portanto, a violação da lei formal constitui o critério utilizado pela jurisprudência para a declaração da existência de simulação relativa (dissimulação) na zona de penumbra da liberdade fiscal. De acordo com este critério, >>é indispensável que o ato praticado não pudesse ser realizado […]. Se não existia impedimento para a realização da incorporação tal como realizada […] não há como qualificar-se a operação de simulada<< ([76]).

Por outro lado, a autoridade administrativa poderá argumentar que o propósito do ato ou negócio jurídico praticado pela Consulente era apenas elidir, na maior medida possível, a tributação do ganho de capital, decorrente da (futura) alienação do(s) bem(ns) imóveis. Em outras palavras, a vontade da Consulente não era verter os bens imóveis, a favor da nova sociedade, através de sua cisão parcial. Entretanto, a teoria da vontade não é adequada para a fundamentação da simulação do atos ou negócios jurídicos perante o direito tributário. A intenção das partes não influencia a qualificação do ato ou negócio jurídico praticado: >>se o ato praticado era lícito, as eventuais consequências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos de elisão fiscal e não de evasão ilícita. (Ac. CSRF/01-01.874/94).<< ([77])

De uma maneira geral, a teoria da vontade encontra fundamento para a simulação como defeito dos atos ou negócios  jurídicos na intenção das partes contratantes. De acordo com esta teoria, >>a simulação decorreria de uma vontade declarada pelas partes, deliberamente desconforme com a intenção dos sujeitos, i.e. aquilo que na realidade as partes pretendiam no seu íntimo<< ([78]), ou seja, >>no caso de haver alguma divergência entre a vontade real, interna, e a declarada, deveria prevalecer aquela vontade interna sobre a exteriorizada.<< ([79])

Porém, a teoria da vontade não leva em consideração que o conceito de simulação do direito privado é definido pela teoria da declaração. Ao contrário da teoria da vontade, a teoria da declaração propugna que >>a declaração emitida por uma pessoa com capacidade produz efeitos jurídicos, sem se considerar se o que foi declarado foi querido ou não, realmente<< ([80]). Esta teoria jurídica, >>não obstante (parta) do mesmo paradigma – divergência entre vontade real e vontade declarada – (toma) orientação oposta, de feição objetivista, ao conferir prevalência à declaração formalizada. (Importa), assim, identificar a vontade declarada e não buscar a qualificação de uma vontade interna dos declarantes<< ([81]).

Por isso, a simulação relativa (dissimulação), perante o direito tributário, exige a presença de violação da lei formal, já que >>a indução das autoridades fiscais não pode ser um mero palpite ou desconfiança, por se exigir, em nome da liberdade de contratar, identificação na lei quando a norma de incidência caracterize outro contrato que não o de empréstimo<< ([82]). Sendo assim, o ato ou negócio jurídico praticado pela Consulente para elidir, na maior medida possível, a tributação do ganho de capital, decorrente de (futura) alienação de bem(ns) imóvel(is), não é ato ou negócio jurídico dissimulado, perante o direito tributário.

 

7.º Do Acórdão n. 1302-002.062

 Para a mesma conclusão chegou, recentemente, a c. 2.ª Turma Ordinária da eg. 3.ª Câmara do Conselho Superior de Recursos Fiscais, no Acórdão n. 1302-002.062:

<<Assunto: Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – Irpj

Ano-calendário: 2007

Ganho de Capital – Cisão Parcial – Constituição de Nova Pessoa Jurídica. Simulação. Não Configurada.

Nem toda ação ou omissão do contribuinte com o fito de reduzir sua base tributável antes da ocorrência do fato gerador pode ser enquadrada como fraudulenta, pois somente aquelas que sejam ilícitas poderiam levar a tal conclusão.

Não se pode enquadrar como simulação a cisão realizada para constituir outra sociedade, com o fim de que esta viesse alienar o bem recebido em integralização, pois se trata apenas de um negócio jurídico indireto, pelo qual a nova sociedade é constituída para surtir os efeitos que lhes são próprios e não para dissimular outros negócios jurídicos.

Insuficiência de Recolhimento. Lucro Real de Sociedade em Conta de Participação.

A falta de escrituração do Lalur não autoriza a Autoridade Fiscal a tomar como lucro real o lucro real contábil apurado pela Scp. Se não apresentado o Lalur da Scp após devidamente intimada a sócia ostensiva, deve ser arbitrado o lucro da Scp.

Tributação Reflexa. Csll.

Tratando-se da mesma situação fática e do mesmo conjunto probatório, a decisão prolatada com relação ao lançamento do Irpj é aplicável, multais mutandis, ao lançamento da Csll.>> (doc.1)

A exemplo do caso concreto, no Acórdão n. 1302-002.062, a sociedade cindida, Acta Engenharia Ltda., vertera, por cisão parcial, bem imóvel, a favor de nova sociedade, Acta Empreendimentos e Participações Ltda. Em seguida, a nova sociedade, Acta Empreendimentos e Participações Ltda., vendera  o bem imóvel, para Aquarius SPE Ltda. O ganho de capital decorrente da venda do bem, ao invés de ser tributado, na Acta Engenharia Ltda., que optara pelo regime de tributação com base no lucro real, fora tributado, na Acta Empreendimentos e Participações Ltda., que optara pelo lucro presumido.

Porém, a autoridade administrativa concluiu que a versão do bem, através da cisão parcial, seguida pela venda do bem pela nova sociedade, Acta Empreendimentos e Participações Ltda., simulara (dissimulara) a venda do bem pela sociedade cindida, Acta Engenharia Ltda. Do seu ponto de vista, <<a empresa Acta Empreendimentos e Participações Ltda. teria sido constituída exclusivamente para fins de realizar a alienação de áreas do loteamento […], com o objetivo de deslocar a incidência tributária do lucro real para o lucro presumido, favorecendo, assim, indevidamente, […] a empresa Acta Engenharia Ltda., […] em desfavor do fisco.>> (doc. 1).

Julgada improcedente a impugnação administrativa, a sociedade cindida, Acta Engenharia Ltda., interpôs recurso voluntário, que foi distribuído para a c. 2ª Turma Ordinária da eg. 3ª Câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. No Acórdão n. 1302-002.062, se chegou à conclusão de que a versão de bem, através de cisão parcial, seguida pela venda do bem pela nova sociedade, não simularam (dissimulam) a venda do bem, por parte da sociedade cindida, a partir de um argumento.

O argumento que serviu de base para a dedução da conclusão foi o de que a versão de bem, através de cisão parcial, seguida pela venda do bem, por parte da nova sociedade, ao invés de simulação (dissimulação), constituiria um negócio indireto. Nesse sentido, alegou, <<a Acta Empreendimentos foi constituída para surtir os efeitos que lhes eram próprios e não para dissimular outros negócios jurídicos>> (doc. 1) (fl. 8). Ora, <<alguém que simula uma compra e venda para dissimular uma doação, não deseja os efeitos que são próprios da venda — o pagamento, pois deseja os efeitos da doação>> (doc. 1) (fl. 8). Entretanto, no caso, <<os efeitos buscados pelos autuantes ao criarem a Acta Empreendimentos eram justamente os efeitos formais e visíveis de tais atos>>. (doc. 1) (fl. 8)

Por isso, o Acórdão n. 1302-002.062 decidiu que <<estamos diante de uma elisão fiscal, ou seja, de atos lícitos praticados com o único condão de reduzir tributos>> (doc. 1) (fl. 8). Nesse sentido, reforçou, <<não comete fraude uma pessoa jurídica que opta, no início do ano, pelo lucro real anual porque sabe que o lucro real trimestral lhe será mais oneroso>> (doc. 1) (fl. 8). Da mesma forma, <<não é fraudador uma pessoa física que resolve investir em plano de previdência privada do tipo PGBL, apenas para reduzir a base tributável de um ano no qual teve muitos rendimentos extraordinários>> (doc. 1.) (fl. 8). Nas suas palavras <<todos esses exemplos são caminhos lícitos percorridos pelo contribuinte e que estão dentro da sua esfera de liberdade>> (doc. 1) (fl. 8).

Portanto, a resposta do Acórdão n. 1302-002.062 à  pergunta da Consulente foi a seguinte:

(i)  A versão de bem, através de cisão parcial, seguida pela venda do bem, por parte da nova sociedade, não simulam (dissimulam) a venda do bem, por parte da sociedade cindida.

 

8.º Considerações Finais

Ante ao exposto, a tributação do ganho de capital, decorrente de (futura) alienação de bem(ns) imóvel(is), não foi elidida pela Consulente, através da prática de ato ou negócio jurídico simulado ou dissimulado. Do nosso ponto de vista, os bens imóveis foram vertidos, a favor da nova sociedade, através de sua cisão parcial, no exercício da liberdade fiscal, isto é, no >>campo em que os particulares podem agir livremente sem que tenham que assumir o dever tributário<< ([83]).

Sendo assim, o risco de desconsideração do planejamento tributário, que a Consulente executou para elidir, na maior medida possível, a tributação do ganho de capital, decorrente de (futura) alienação de bem(ns) imóvel(is), é possível, mas não provável. Caso ele seja desconsiderado, poderá ser aplicada a multa qualificada de 150% (cento e cinquenta por cento), prevista pelo art. 44, § 1º, da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996 ([84]).

S.m.j., é o parecer.

 

([1])      Xavier, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialática, 2001, p. 32.

([2])      Pontes, Helenílson. O princípio da proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialática, 2000, p. 111.

([3])      Larenz, Karl. Derecho justo. Tradução de Luis Díez Picazo. Madrid: Civitas, 2001, p.                 159.

([4])       Larenz, op. cit., p. 159.

([5])      Madison, James   Apud   Dorf,   Michael;   Tribe,   Lawrence.  On   reading   the   Constitution. Massachusetts: Harvard University, 1991, p. 6.

([6])      A personalização foi o instrumento jurídico que permitiu às revoluções liberais limitarem o poder público através dos direitos individuais, traduzido como <<‘government of law, not of mens’ >> (Novais, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado do Direito. Coimbra: Coimbra, 1987, p. 36). Ao transformar o limite do poder em problema jurídico, a personalização do Estado foi fundamental à construção da idéia do estado de direito. À época, era necessário que o poder público >>fosse considerado como sujeito de direito, pessoa jurídica capaz de assumir direitos e deveres nos contactos que estabelece com os demais sujeitos de direito<< (Novais, op. cit., p. 34). Na história, a personalização do Estado é uma ideia que se associa estreitamente com a relação tributária, porque incorporou a doutrina do fisco, segundo a qual, no Direito Romano, >>o Estado se desdobrava numa outra pessoa moral de direito privado, capaz ‘de entrar em comércio jurídico com os particulares, de se obrigar contratual e extracontratualmente, de ter capacidade activa e passiva – o Fisco.’<< (Ibid., p. 29).

([7])      ADI 939/DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, mv, j. 15/12/1993, DJ 18/03/1994, p.   05165.

([8])      ADI 939/DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, mv, j. 15/12/1993, DJ 18/03/1994, p.   05165.

([9])      ADI 939/DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, mv, j. 15/12/1993, DJ 18/03/1994, p.   05165.

([10])     ADI 939/DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, mv, j. 15/12/1993, DJ 18/03/1994, p.   05165.

([11])     Schwartz, Bernardo. Direito Constitucional Americano. Rio de Janeiro, Forense, 1985, p. 417.

([12])     Maneira, Eduardo. Direito Tributário: Princípio da Não-Surpresa. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 22.

([13])     Maneira, op. cit., p. 161.

([14])    Ibid., p. 161.

([15])    XAVIER, 2001, p. 32.

([16])    Ibid., p. 32.

([17])    Ibid., p. 32.

([18])    FAVEIRO, 2002, p. 922.

([19])     Canotilho, 1993, p. 791.

([20])     Ibid., p. 790.

([21])     Ibid., p. 790.

([22])     Lopes, Ana Maria D’Ávila. Os direitos fundamentais como limites ao poder de legislar. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 37.

([23])     Lopes, op. cit., p. 17.

([24])     Greco, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura ‘sui generis’). São Paulo: Dialética, 1999, p. 24.

([25])     Sarlet, 2003, p. 176.

([26])     Ibid., p. 176.

([27])    SARLET, 2003, p. 176.

([28])     Ibid., p. 178.

([29])     Xavier, 2001, p. 18.

([30])     XAVIER, 2001, p. 29.

([31])     Ibid., p. 29.

([32])    Canotilho, 1993, p. 802.

([33])     Canaris, 1996, p. 143.

([34])     Greco, 1999, p. 29.

([35])     Berti, Enrico. As razões de Aristóteles. Tradução de Dion Davi Macedo. São Paulo:       Loyola, 2001, p. 5.

([36])     Guastini, op. cit., p. 214.

([37])     Pereira, Cesar A. Guimarães. Elisão tributária e função administrativa. São Paulo: Dialética, 2001, p. 48.

([38])     Alexy, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2002, p. 337.

([39])      Faveiro, 2002, p. 898.

([40])     Hobbes, Thomas Apud Alexy, op. cit., p. 218.

([41])     Bobbio, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Imamnuel Kant. Tradução de Alfredo Fait. 2 ed. Brasília: Universidade de Brasília, p. 48.

([42])     Alexy, 2002, p. 216.

([43])      Xavier, 2001, p. 32.

([44])     Malerbi, Diva. Elisão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 75.

([45])     Xavier, 2001, p. 32.

([46])     Vieira de Andrade, op. cit., p. 275.

([47])     Vieira de Andrade, 2002, p. 284.

([48])     Ibid., p. 284.

([49])     Ibid., p. 284.

([50])     Faveiro, 2002, p. 604

([51])     Canaris, 1996, p. 202.

([52])     Becker, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 3 ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 139.

([53])     Marins, James. Elisão tributária e sua regulação. São Paulo: Dialética, 2002, p. 30.

([54])     Xavier, 2001, p. 59.

([55])        Ibid., p. 59.

([56])        Ibid., p. 60.

([57])        Ibid., p. 60.

([58])        Xavier, 2001, p. 60.

([59])        Ibid., p. 52.

([60])        Barros Monteiro, Washington. Curso de Direito Civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1968, Parte Geral, p. 220.

([61])        Barros Monteiro, 1968, p. 220.

([62])       Ibid., p. 224.

([63])     Ibid., p. 224.

([64])     Xavier, 2001, p. 56

([65])     REsp 390.286, STJ, T2, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, vu, DJU 21/10/2002.

([66])     REsp 390.286, STJ, T2, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, vu, DJU 21/10/2002.

([67])     REsp 310.368, STJ, T1, Rel.  Min. José Delgado, vu, DJU 27/08/2001.

([68])     REsp 390.286, STJ, T2, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, vu, DJU 21/10/2002.

([69]) >>Art. 224. As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá: I – o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição; II – os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão; III – os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores; IV – a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra; V – o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação; VI – o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação; VII – todas as demais condições a que estiver sujeita a operação. Parágrafo único. Os valores sujeitos a determinação serão indicados por estimativa. Art. 225. As operações de incorporação, fusão e cisão serão submetidas à deliberação da assembléia-geral das companhias interessadas mediante justificação, na qual serão expostos: I – os motivos ou fins da operação, e o interesse da companhia na sua realização; II – as ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões para a modificação dos seus direitos, se prevista; III – a composição, após a operação, segundo espécies e classes das ações, do capital das companhias que deverão emitir ações em substituição às que se deverão extinguir; IV – o valor de reembolso das ações a que terão direito os acionistas dissidentes.<<

([70]) >>Art. 125. Ressalvadas as exceções previstas em lei, a assembléia-geral instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito de voto; em segunda convocação instalar-se-á com qualquer número.<<

([71]) >>Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre: […] IX – cisão da companhia<<.

([72]) >>Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. […] § 2º Na cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade nova, a operação será deliberada pela assembléia-geral da companhia à vista de justificação que incluirá as informações de que tratam os números do artigo 224; a assembléia, se a aprovar, nomeará os peritos que avaliarão a parcela do patrimônio a ser transferida, e funcionará como assembléia de constituição da nova companhia.<<

([73]) Proc. n. 13884.000029/95-33, Ac. n. 106-09343, 1. CC, 6. C, Rel Cons. Genésio Deschamps, mv, j. 18/09/1997.

([74]) Proc. n. 10880.013120/92-18, Ac. n. 101-92164, 1. CC, 1. C, Rel. Cons. Sebastião Rodrigues Cabral, vu, j. 14/07/1998.

([75]) Proc. n. 16327.002725/99-11, 1. CC. 1. C, Rel.ª Cons.ª Sandra Maria Faroni, vu, j. 20/09/2001/

([76]) Proc. n. 10880.013120/92-18, Ac. n. 101-92164, 1. CC, 1. C, Rel. Cons. Sebastião Rodrigues Cabral, vu, j. 14/07/1998.

([77]) Proc. n. 10880.013120/92-18, Ac. n. 101-92164, 1. CC, 1. C, Rel. Cons. Sebastião Rodrigues Cabral, vu, j. 14/07/1998.

([78]) Tôrres, 2003, p. 284.

([79]) Ibid., p. 284.

([80]) Ibid., p. 287.

([81]) Ibid., p. 287.

([82])REsp 390.286, STJ, T2, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, vu, DJU 21/10/2002.

([83])     Pontes, 2000, p. 111.

([84])     >>Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: I – de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; […] § 1.º  O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.<<

Câmara dos Deputados aprova adiamento de prazo de declaração para julho

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O Senado Federal aprovou projeto de lei que previa a prorrogação do prazo da entrega da declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). O texto, que adiou para 31 de julho a entrega da declaração, sofreu mudanças no Senado, motivo pelo qual precisará passar por nova análise na Câmara dos Deputados.

Resumidamente, foi acrescentado um trecho permitindo que, se faltarem valores a serem pagos, estes poderão ser repassados em parcelas iguais consecutivas.

Com o novo texto, o cronograma de restituições não mudará, sendo o 1º lote entregue em 31 de maio. O texto ainda autoriza o pagamento da cota única ou das cotas vencidas até 31 de julho, sem acréscimo de juros ou penalidade de qualquer natureza.

STF julga o fim do voto de qualidade em empates nos julgamentos do CARF

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O STF começa a julgar na próxima sexta-feira, 2, ações que questionam o fim do voto de qualidade em empates ocorridos nos julgamentos do Carf, e a permissão de que a demanda seja resolvida favoravelmente ao contribuinte. O julgamento ocorre em plenário virtual e tem data prevista para término no dia 9.

As ações foram ajuizadas pelo procurador-Geral da República, Augusto Aras, pelo PSB – Partido Socialista Brasileiro e pela Anfip – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil.

Entenda

O Carf integra o ministério da Economia e é responsável pelo julgamento administrativo de segunda instância do contencioso administrativo fiscal na esfera Federal. As turmas do Carf são compostas paritariamente por representantes dos contribuintes e da Fazenda Pública, reservada à representante desta última a função de presidente.

Pela regra anterior (artigo 25, parágrafo 9º, do decreto 70.235/72), o voto de desempate era proferido pelo presidente da turma julgadora. O fim do voto de qualidade, foi incluído pela MP 899/19, que deu origem à lei 13.988/20. Com a suspensão, ficou determinado que, na hipótese de empate, o resultado deve ser favorável ao contribuinte.

O fim do voto, no entanto, não constava no texto original e foi incluído por emenda parlamentar na tramitação do projeto de lei de conversão da MP.

Fundamentos

Na ADIn 6.399, Augusto Aras assinala que houve vício no processo legislativo em razão da inserção de matéria de iniciativa reservada e sem pertinência temática com o texto originário por meio de emenda parlamentar.

Aras alegou ainda que a Constituição Federal reservou ao presidente da República a disciplina da organização e do funcionamento dos órgãos da Administração Pública.

O PSB, na ADIn 6.403, afirma que a mudança implicará a alteração da própria natureza do Carf, que passará a ter caráter eminentemente privado, pois os representantes dos contribuintes, indicados por entidades privadas, passam a ter poder decisório soberano.

O partido argumenta que a alteração resultará numa perda de arrecadação aos cofres públicos de cerca de R$ 60 bilhões por ano e que, entre 2017 e 2020, mais de R$ 110 bilhões tornaram a integrar a carta de créditos tributários da União em decorrência da utilização do voto de qualidade.

Já a Anfip, na ADIn 6.415, aponta violação ao princípio democrático e ao devido processo legislativo, pois a alteração resultou de emenda parlamentar apresentada após a emissão de parecer pela Comissão Mista e não tem qualquer relação com a medida provisória que lhe deu origem. A associação ressalta ainda violação ao princípio constitucional implícito da prevalência do interesse público sobre o privado.

As ações serão julgadas em conjunto e o relator é o ministro Marco Aurélio.

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