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Residência Fiscal. Regime Tributário dos Rendimentos de Trabalho com ou sem Vínculo Empregatício (Salários e Honorários) Auferidos no Brasil e nos Países Baixos

Jacquelyne Fleck & Diego Galbinski

A Consulente possui nacionalidade francesa e visto permanente para residência na República Federativa do Brasil (<<Brasil>>). Em 01/2018, decidiu retornar para a République Française (<<França>>), por 6 (seis) meses. A partir de 07/2018, todavia, passou a residir em Nederland (<<Países Baixos>>).

De 09/2018 a 11/2018, firmou contrato de trabalho com empresa que presta serviços para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Ao auferir rendimentos de trabalho com vínculo empregatício (salários), sofria retenção, na fonte, do imposto de renda holandês.

No atual ano-calendário, a Consulente firmou contrato de trabalho por prazo indeterminado com a mesma empresa. De acordo com este contrato, que iniciou a viger em 02/2020, o salário recebido pela Consulente é calculado por hora trabalhada. Nos Países Baixos, ela também aufere rendimentos de trabalho sem vínculo empregatício (honorários), decorrentes de aulas particulares de francês.

Igualmente, a Consulente, no Brasil, aufere rendimentos de trabalho sem vínculo empregatício (honorários), a título de remuneração de aulas particulares de francês. A despeito de auferir renda superior à faixa de isenção, declarou, no último ano-calendário, que seria isenta do imposto de renda brasileiro.

Até o momento, a Consulente não apresentou à Receita Federal do Brasil (RFB) a Comunicação de Saída Definitiva do País. Conforme os registros de movimentações migratórias, até 04/01/2019, ela não ficara ausente do Brasil, por período superior a 12 (doze) meses consecutivos:

 

 

Desde o seu retorno, em 04/01/2020, a Consulente reside nos Países Baixos, onde pretende permanecer por mais de 1 (um) ano. Nos primeiros meses de 2021, pretende retornar, novamente, ao Brasil.

Relatados os fatos, a Consulente formula as seguintes perguntas:

<<1. Do ponto de vista fiscal, permaneço residente no Brasil?

  1. Qual é o regime tributário dos rendimentos de trabalho sem vínculo empregatício (honorários) auferidos no Brasil?
  2. Qual é o regime tributário dos rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários) auferidos nos Países Baixos?>>

 

II.

Da Residência Fiscal

 

Em 8 de março de 1990, Brasil e Países Baixos firmaram entre si uma Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre a Renda (<<Convenção>>). No Brasil, a Convenção foi promulgada pelo Decreto n. 355, de 2 de dezembro de 1991.

Do lado do Brasil, os tributos alcançados pela Convenção são o imposto de renda da pessoa física, o imposto de renda da pessoa jurídica e a contribuição social sobre o lucro líqudo ([1]). Do lado dos Países Baixos, os tributos alcançados pela Convenção são o imposto de renda, o imposto sobre salários, o imposto sobre sociedades e o imposto sobre dividendos ([2]).

A Convenção é aplicável às pessoas físicas e jurídicas que residem em um ou em ambos os Estados (Brasil e Países Baixos) ([3]). Ela define em qual dos Estados (Brasil ou Países Baixos) o rendimento deve ser ser tributado.

Para os fins da Convenção, a expressão <<residente de um Estado Contratante>> designa qualquer pessoa que, em virtude da legislação desse Estado, esteja sujeita ao tributo, em razão do seu domicílio, residência, sede de direção ou qualquer outro critério de natureza análoga. De modo que a qualificação de determinada pessoa física como residente do Brasil ou dos Países Baixos depende dos critérios de direito interno de cada um dos Estados (Brasil e Países Baixos). Porém, caso o direito interno de ambos os Estados (Brasil e Países Baixos) qualifique a mesma pessoa física como residente, ocorrerá o fenômeno denominado dupla residência, que pode gerar conflitos a respeito de qual será o Estado competente para tributar os rendimentos.

 

Segundo o direito interno brasileiro, é considerada residente no Brasil a pessoa física:

(i)    que resida no Brasil em caráter permanente;

(ii) que se ausente para prestar serviços como assalariada a autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior;

(iii)  que ingresse no Brasil:

(a)   com visto permanente, na data da chegada;

(b)   com visto temporário:

  1. para trabalhar com vínculo empregatício ou atuar como médico bolsista no âmbito do Programa Mais Médicos de que trata a Medida Provisória n. 621, de 8 de julho de 2013, na data da chegada;
  2. na data em que complete 184 (cento e oitenta e quatro) dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até 12 (doze) meses;
  3. na data da obtenção de visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 (cento e oitenta e quatro) dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até 12 (doze) meses (caso a pessoa física não complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, novo período de até doze meses será contado da data do ingresso seguinte àquele em que se iniciou a contagem anterior);

(iv) brasileira que adquiriu a condição de não-residente no Brasil e retorne ao País com ânimo definitivo, na data da chegada;

(v)   que se ausente do Brasil em caráter temporário ou se retire em caráter permanente do território nacional sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País, durante os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência ([4]).

Do nosso ponto de vista, a situação de fato da Consulente se subsume à hipótese prevista pela alínea (v) acima: a Consulente se ausentou em caráter temporário ou permanente do território nacional, sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País.

Por isso, até a apresentação da Comunicação de Saída Definitiva do País, a Consulente será considerada residente fiscal no Brasil, durante os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência ([5]). Enquanto for considerada residente fiscal no Brasil, todos seus rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários), inclusive os rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício auferidos no Exterior, estarão sujeitos, a priori, à incidência do imposto de renda brasileiro, de acordo com o princípio da universalidade ([6]).

 

III.

Do Regime Tributário dos Rendimentos de Trabalho

Com ou Sem Vínculo Empregatício

(Salários e Honorários) 

 

Todavia, com relação aos rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários) auferidos pela Consulente nos Países Baixos, a Convenção dispõe que devem ser tributados pelos Países Baixos. No que diz respeito aos rendimentos de trabalho com vínculo empregatício (salários), o § 1º do art. 15 da Convenção prescreve que <<os salários, ordenados e outras remunerações similares, recebidas por um residente em um Estado Contratante em razão de emprego, só são tributáveis neste Estado, salvo se o emprego for exercido no outro Estado.>>

Por sua vez, quanto aos rendimentos de trabalho sem vínculo empregatício (honorários), o § 1º do art. 14 da Convenção dispõe que <<Os rendimentos obtidos por um residente em um Estado Contratante, pelo exercício de profissão liberal ou por outras atividades de natureza independente, só são tributados nesse Estado>>. A expressão <<profissão liberal>> abrange <<atividades independente de caráter científico, técnico, literário, artístico, educacional ou pedagógico, bem como as atividades independentes de médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, dentistas e contadores>> (grifou-se), a teor do § 2º do art. 14 da Convenção.

Porém, a Consulente deve declarar os rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários) auferidos nos Países Baixos, na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física (<<Declaração do Imposto de Renda>>). O imposto de renda pago pela Consulente nos Países Baixos pode ser deduzido do valor do imposto de renda devido pela Consulente no Brasil. Entretanto, a dedução não pode ser maior do que a parcela do imposto que seria devido antes da inclusão dos rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários) auferidos nos Países Baixos ([7]).

Por outro lado, se a Consulente apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País, antes de transcorridos os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência, deixará de ser residente fiscal no Brasil. Nesse caso, os rendimentos de trabalho sem vínculo empregatício (honorários) que a Consulente auferir no Brasil serão isentos do imposto de renda devido pela Consulente nos Países Baixos ([8]).

De acordo com a legislação tributária brasileira, a pessoa física não residente no Brasil está sujeita à incidência do imposto de renda na fonte sobre os rendimentos provenientes de fontes pagadoras situadas no Brasil à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento) (Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018, Arts. 741 e 746). Nos casos de ganho de capital e de rendimentos de aluguel, a alíquota do imposto de renda na fonte é de 15% (quinze por cento) (Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018, Art. 745).

IV.

Considerações Finais

 

Ante ao exposto, chegamos às seguintes conclusões:

(i)  Até a apresentação da Comunicação de Saída Definitiva do País, a Consulente será considerada residente fiscal no Brasil, durante os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência. Enquanto for considerada residente fiscal no Brasil, todos os seus rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários), inclusive os rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício auferidos no Exterior, estarão sujeitos, a priori, à incidência do imposto de renda brasileiro, de acordo com o princípio da universalidade;

(ii) Todavia, com relação aos rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários) auferidos pela Consulente nos Países Baixos, a Convenção dispõe que devem ser tributados pelos Países Baixos. Nesse caso, a Consulente deve declarar os rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários) auferidos nos Países Baixos, na Declaração do Imposto de Renda. O imposto de renda pago pela Consulente nos Países Baixos pode ser deduzido do valor do imposto de renda devido pela Consulente no Brasil. Entretanto, a dedução não pode ser maior do que a parcela do imposto que seria devido antes da inclusão dos rendimentos de trabalho com ou sem vínculo empregatício (salários e honorários) auferidos nos Países Baixos.

(iii) Por outro lado, se a Consulente apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País, antes de transcorridos os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência, deixará de ser residente fiscal no Brasil. Nesse caso, os rendimentos de trabalho sem vínculo empregatício (honorários) que a Consulente auferir no Brasil serão isentos do imposto de renda devido pela Consulente nos Países Baixos. De acordo com a legislação tributária brasileira, a pessoa física não residente no Brasil está sujeita à incidência do imposto de renda na fonte sobre os rendimentos provenientes de fontes pagadoras situadas no Brasil à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento). Nos casos de ganho de capital e de rendimentos de aluguel, a alíquota do imposto de renda na fonte é de 15% (quinze por cento).

S.m.j., é o nosso parecer.

 

([1]) <<Art. 11. Para efeito de interpretação, os acordos e convenções internacionais celebrados pelo Governo da República Federativa do Brasil para evitar dupla tributação da renda abrangem a CSLL.>>

([2]) Convenção, Art. 2º, n. 2, alínea ‘b’.

([3]) Convenção, Art. 1º.

([4]) Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018, Arts. 14 a 17; Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998, Art. 12; Instrução Normativa SRF n. 208, de 27 de setembro de 2002, na redação da Instrução Normativa RFB n. 1.008, de 9 de fevereiro de 2010, e da Instrução Normativa RFB n. 1.383, de 7 de agosto de 2013.

([5]) Nos termos do art. 14 do Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018, os residentes no Brasil que se retirarem em caráter definitivo no curso de um ano-calendário, além da declaração correspondente aos rendimentos do ano-calendário anterior, ficam sujeitos à apresentação da Declaração de Saída Definitiva do País, correspondente aos rendimentos e aos ganhos de capital percebidos no período de 1º de janeiro até o dia anterior à data da saída do País, observado o disposto no art. 918 do Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018, que aprova o Regulamento do Imposto de Renda.

([6]) Os residentes fiscais no Brasil são tributados em função do seu rendimento global, nos termos do art. 34 do Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018: <<Art. 34. A tributação independe da denominação dos rendimentos, dos títulos ou dos direitos, da localização, da condição jurídica ou da nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou dos proventos, sendo suficiente, para a incidência do imposto sobre a renda, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título (Lei n. 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional, art. 43, § 1º; e Lei n. 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º).>>

([7])  Convenção, Art. 23, § 5º: <<5 – Quando um residente no Brasil receber rendimentos que, nos termos desta Convenção, possam ser tributados na Holanda, o Brasil permitirá, como dedução do imposto da renda dessa pessoa, um valor igual ao imposto de renda pago na Holanda. Todavia, a dedução não será maior do que a parcela do imposto que seria devido antes da inclusão do crédito correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na Holanda.>>

([8]) Convenção, Art. 23, § 2º: <<2 – Todavia, quando um residente na Holanda receber rendimentos quem nos termos que dispõem o Artigo 6, o Artigo 7, o parágrafo 4 do Artigo 10, o parágrafo 5 do Artigo 11, o parágrafo 4 do Artigo 12, os parágrafos 1 e 2 do Artigo 13, o Artigo 14, o Artigo 15, o Artigo 16 e o Artigo 19 desta Convenção, podem ser tributados no Brasil e integram a base de cálculo de que trata o parágrafo 1, a Holanda isentará de impostos tais rendimentos, conforme as acima mencionadas disposições desta Convenção, e nos termos das normas relativas à forma de aplicação, inclusive as relativas à compensação de prejuízos, constantes de seus regulamentos internos destinados a evitar a dupla tributação.>>

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