A Empresa X possui acordo de investimentos e sociedades em comum com a Empresa Y. As duas empresas constituíram a Empresa Z, na qual a Empresa X detém 20% (vinte por cento) e a Empresa Y 80% (oitenta por cento) do capital social.
Em 07/08/2017, a Empresa X firmou escritura de emissão de debêntures simples, não conversíveis em ações, da espécie com garantia flutuante e garantia real (mediante alienação fiduciária de quotas), em favor da Consulente, em face da necessidade de capitalização de recursos destinados à realização dos aportes necessários nas SPE’s relativas a empreendimentos imobiliários da Empresa Z, por conta e em decorrência de participação direta de 15% (quinze por cento) do capital social nas respectivas SPE’s investidas.
Na escritura de emissão, foi estabelecido que as debêntures vencerão por série, no prazo de 1 (um) ano contado da data de emissão do “habite-se” de cada um dos empreendimentos desenvolvidos pelas SPE’s investidas, ressalvada a hipótese de amortização parcial compulsória. Na data do vencimento, a Empresa X obriga-se a proceder ao seu pagamento pelo saldo de seu valor nominal unitário, acrescido da respectiva remuneração, conforme cláusula contratual, (item 5.5 da cláusula quinta), que consiste no pagamento de 40% (quarenta por cento) do valor remanescente do lucro apurado pela SPE investida, proporcionalmente à participação direta, após o pagamento da correção monetária.
Entretanto, as partes acordaram que sempre que as SPE’s investidas distribuírem recursos financeiros à Empresa X em razão da participação direta, seja a título de distribuição de lucros, pagamento de juros sobre capital próprio ou restituição de capital, os valores recebidos a tal título deverão amortizar as debêntures, até o limite dos valores através delas obtidos e investidos nas SPE’s (item 5.4.2 da cláusula quinta).
Até a presente data, a Consulente realizou 4 (quatro) aportes (nas datas de 04/10/2016, 05/10/2017, 05/04/2018 e 06/08/2018), nas SPE’s dos empreendimentos imobiliários, no montante histórico de R$ 25.542.191,30 (vinte e cinco milhões, quinhentos e quarenta e dois mil, cento e noventa e um reais e trinta centavos).
Em razão da distribuição de lucros nas SPE’s dos empreendimentos imobiliários para a Empresa X, ocorrida em dezembro de 2018 e junho de 2019, no valor total de R$ 29.618.131,50 (vinte e nove milhões, seiscentos e dezoito mil, cento e trinta e um reais e cinquenta centavos), houve a amortização parcial compulsória das respectivas debêntures, no montante de R$ 23.887.322,30 (vinte e três milhões, oitocentos e oitenta e sete mil, trezentos e vinte e dois reais e trinta centavos), remanescendo um saldo a receber de R$ 1.654.869,00 (um milhão, seiscentos e cinquenta e quatro mil e oitocentos e sessenta e nove reais).
É importante destacar que, nos termos do item 5.4.2.1 da escritura de emissão, na amortização parcial compulsória não será devido o pagamento de qualquer prêmio à Consulente. Portanto, o valor recebido, a título de amortização parcial compulsória das debêntures, representa mero retorno de parte do capital investido, não resultando em acréscimo patrimonial.
O investimento em debêntures se assemelha a uma aplicação financeira, de forma que o valor investido é contabilizado na conta de Ativo Não Circulante (Realizável a Longo Prazo). Quando ocorre a amortização parcial, o valor recebido é deduzido do Ativo e contabilizado no Caixa, não representando acréscimo patrimonial, de maneira que não deve compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Neste sentido, leciona Ricardo Mariz de Oliveira:
“a receita é sempre um ingresso no patrimônio com a consequência de aumentá-lo, ao contrário de outros ingressos que acarretam alguma modificação na formação ou constituição do patrimônio anterior a ela, mas não produzem aumento na equação líquida direitos (ativo) menos obrigações (passivo). Assim, dizemos que a receita acarreta ‘mutação’ patrimonial, e não mera ‘permutação” patrimonial’.
[…]
Destarte a capacidade contributiva deve estar necessariamente contida dentro deste resultado líquido final e positivo, não sendo possível que a incidência do imposto de renda onere outra parcela do patrimônio que foi aumentado, pois, se assim fosse, haveria um desvio da essência da obrigação tributária, que recairia sobre o patrimônio, e não sobre o seu aumento sujeito à tributação.
[…]
Enfim, quando falamos em ‘reconhecimento de receita’, estamos nos referindo exatamente ao ato, com as características expostas, através do qual se ‘reconhece’ ter havido a aquisição de um direito pela pessoa titular de um patrimônio, cujo direito passa a integrar esse patrimônio (um novo bem do ativo patrimonial, isto é, um novo direito sobre uma coisa material ou imaterial) e o aumenta em relação ao seu montante universal e líquido anterior à aquisição. Por consequência, a Contabilidade ‘reconhece’ o movimento econômico entrante a crédito de uma conta de resultado, ou seja, a crédito de uma conta de receita, e daí advém outras consequências e providências, como a integração desse direito na base de cálculo do imposto de renda (assim como fato gerador e na base de cálculo das contribuições sociais antes referidas), a obrigação de recolhimento dos tributos devidos em consequência da aquisição da receita e da renda por ela produzida”.
Os conceitos de renda, lucro e resultado partem da ideia de acréscimo patrimonial novo, experimentado após a dedução dos custos e despesas necessários à fruição das receitas em determinado período, como assevera Solon Sehn:
“Mesmo no caso das pessoas jurídicas, a renda, ao contrário da receita, nos termos pressupostos pela Constituição (e conforme previsto no Código Tributário Nacional, art. 43), sempre constitui um acréscimo patrimonial, que se traduz em um saldo positivo resultante do confronto de certas entradas e certas saídas, ocorridas ao longo de um dado período. A diferença em relação à tributação das pessoas físicas reside no fato de que a renda – denominada lucro real – compreende o aumento do patrimônio apurado pela comparação entre balanços comerciais ajustados na forma da legislação tributária. Todavia, em qualquer caso, tem-se um acréscimo relativo, que pressupõe a periodicidade e a comparação com um estado patrimonial anterior, deduzidos os prejuízos anteriores, despesas e custos, ao contrário da receita, que constitui um incremento patrimonial isoladamente considerado.”
Portanto, o ingresso dos valores no caixa da Consulente, relativos à amortização parcial das debêntures, não revela acréscimo patrimonial, ou seja, não há alteração positiva no patrimônio da pessoa jurídica, a ponto de caracterizar renda ou lucro.
Do nosso ponto de vista, a tributação pelo IRPJ e CSLL ocorrerá apenas quando do pagamento da correção monetária e do prêmio (remuneração ou rendimentos do capital investido) no vencimento das debêntures (cláusula 5.5, item 5.5.1, I, ‘a’ e ‘b’, e II da Escritura de Emissão), por meio de retenção na fonte pela Empresa X (com alíquotas de IR regressiva de 22,5% a 15%, conforme o prazo de aplicação), e este rendimento recebido deverá constar na Demonstração de Resultado do Exercício, como receita.
Ante ao exposto, chegamos às seguintes conclusões:
(i) não incidem IRPJ e CSLL sobre os valores recebidos a título de amortização parcial compulsória das debêntures;
(ii) existe saldo a receber de R$ 1.654.869,00 (um milhão, seiscentos e cinquenta e quatro mil e oitocentos e sessenta e nove reais).
S.m.j., é o parecer.
Jacquelyne Fleck / Diego Galbinski