STF firma tese de repercussão geral sobre criminalização da dívida tributária

Em 18 de dezembro de 2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou a seguinte tese de repercussão geral: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º (inciso II) da Lei 8.137/1990.” Essa tese foi firmada por ocasião do julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) nº 163.334/SC, que havia sido interposto pela defesa dos contribuintes contra o acórdão proferido pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Habeas Corpus nº 399.109/SC. De acordo com o mais recente entendimento do STF, o inadimplemento intencional e contumaz de tributos indiretos passou a se subsumir ao tipo do crime de apropriação indébita tributária, previsto pelo art. 2º, II, da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990.

A decisão pegou de surpresa a comunidade jurídica. Primeiro porque consagrou, no Direito Penal Tributário Brasileiro, a ideia de que o Juiz Ordinário seria competente para criminalizar condutas, com base em razões morais ou de princípios, em perigosíssimo desrespeito a um dos mais importantes desdobramentos do princípio do Estado de Direito, previsto pelo art. 5º, XXXIX, da Constituição: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal“. Segundo porque violou os limites do desenvolvimento judicial do Direito, por atribuir competência para o mesmo Juiz superar, na medida das circunstâncias, o sentido literal possível da lei, inclusive da lei penal tributária. Em outra oportunidade alertamos como os juristas alemães que se posicionaram à época, contrários ao nazismo, que em qualquer situação de dúvida ou disputa, a atividade criadora e construtiva do Juiz deveria encontrar limites na Constituição: no caso, a fronteira claríssima que foi ultrapassada pelo Plenário do STF foi a do art. 5º, LXVII, da Constituição: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel“.

Não há dúvida que a tese de repercussão geral firmada pelo Plenário do STF criou poderosíssimo meio de cobrança dos tributos indiretos. Após tomada desta decisão, qual contribuinte assumirá o risco de não pagar o ICMS, inclusive o ICMS indevido? O que nos leva, infelizmente, outra vez à mesma e velha questão: os fins podem justificar os meios? No Estado de Direito, a resposta só pode ser não.

Leave a Reply

EMAIL: contato@diegogalbinski.adv.br - FONE: 51 3392 7430