Ref. Comissão de Direito Tributário da Divisão Jurídica da Federasul. Supremo Tribunal Federal (STF). Repercussão Geral. Tema 881. Limites da Coisa Julgada em Matéria Tributária

Em 12/05/2022, o pedido de vista do Min. Alexandre de Moraes suspendeu o julgamento do RE 949297, em que o Tribunal Pleno do eg. Supremo Tribunal Federal (STF) havia reconhecido a existência de repercussão geral do seguinte tema:

“Limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado.”

O RE 929297 foi interposto pela União contra acórdão proferido pela col. 3.ª Turma do eg. Tribunal Regional da 5.ª Região (TRF5) que deu provimento à apelação de TBM – TEXTIL BEZERRA DE MENEZES S/A, a fim de assegurar o direito líquido e certo de não recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), decorrente de sentença transitada em julgado que declarara, incidentalmente, a inconstitucionalidade da Lei n. 7.689, de 15 de dezembro de 1988.

É a seguinte a ementa do acórdão recorrido:

“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. LEI 7689/88. MANDADO DE SEGURANÇA. OFENSA À COISA JULGADA. APELAÇÃO PROVIDA.

  1. A sentença prolatada nos autos do mandado de segurança 127/89/CE declarou a inconstitucionalidade da Lei 7689/88 tendo sido mantido por esta Corte o trânsito em julgado.
  2. ‘(…) a sentença rescindenda, que reconheceu ser integralmente inconstitucional a Lei 7689/88, instituidora da contribuição social sobre o lucro líquido das pessoas jurídicas para financiamento da seguridade social, porque prolatada antes da publicação da decisão do STF declarando a inconstitucionalidade apenas do art. 8.o da mencionada lei (RE 138284-CE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 28/08/92, p. 13456), não deve sofrer os efeitos provenientes dessa declaração – ‘Se as questões de fato e de direito reguladas pela norma julgada inconstitucional se encontram definitivamente encerradas porque sobre elas incidem caso julgado judicial, porque se perdeu um direito por prescrição ou caducidade, porque o ato se tornou impugnável, porque a relação se extinguiu com o cumprimento da obrigação, então a dedução de inconstitucionalidade, com a consequente nulidade ipso jure, não perturba, através da sua eficácia retroativa esta vasta gama de situações ou relações consolidadas’ (J. J. GOMES CANOTILHO). – Inegável a aplicação do entendimento firmado por nossos Tribunais Superiores, segundo o qual ‘A mudança de entendimento dos Tribunais Superiores não autoriza o pedido de rescisão do julgado, com base na violação literal de lei (Artigo 45, Inciso V do Código de Processo Civil).’ (REsp 227.458-CE, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 06/04/2000, DJU 05/06/2000). – Improvimento dos embargos infringentes mantendo-se incólume o acórdão que reconheceu a improcedência do pedido de rescisão (EIAR – Embargos Infringentes na Ação Rescisória – 311, DJU 22.08.2022, Rel. Des. Fed. Ubaldo Cavalcanti)’.
  3. Apelação provida.”

No julgamento do RE 949297, o Relator, Min. Edson Fachin, votou no sentido de que o juízo de constitucionalidade do Tribunal Pleno do eg. STF possuiria a aptidão para alterar o estado de direito da relação tributária de trato continuado, por força do art. 28 da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. Rompido o silogismo da coisa julgada, os seus efeitos prospectivos (para o futuro) cessariam a partir da publicação da ata de julgamento do Tribunal Pleno do eg. STF.

Ao final, o Min. Edson Fachin sugeriu a fixação da seguinte tese de repercussão geral:

“A eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos; observadas as regras constitucionais da irretroatividade, da anterioridade anual e da noventena ou da anterioridade nonagesimal, de acordo com a espécie tributária em questão. ”

Até o momento, o voto do Min. Edson Fachin foi acompanhado pela Min.ª Rosa Weber, pelo Min. Luís Roberto Barroso e pelo Min. Dias Toffoli. O Min. Luís Roberto Barroso, porém, sugeriu a fixação de outra tese de repercussão geral, que foi acompanhada pelo Min. Dias Toffoli:

“1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”

Por sua vez, o Min. Gilmar Mendes divergiu, em parte, do voto do Min. Edson Fachin, no sentido de que, com relação aos efeitos pretéritos ou pendentes, seria cabível ação rescisória ou alegação de inexigibilidade do título executivo judicial. Quanto aos efeitos futuros, o Min. Gilmar Mendes concordou com o voto do Min. Edson Fachin, de modo que cessaria a ultratividade da coisa julgada que contrariasse o decidido pelo Tribunal Pleno do eg. STF, seja no controle difuso, seja no controle concentrado, independentemente de ação rescisória ou qualquer outra demanda, diante da cláusula rebus sic stantibus.

Portanto, a prevalecer o entendimento, até agora, firmado pelo Tribunal Pleno do eg. STF, no julgamento do RE 949297 (Tema de Repercussão Geral 881), suas decisões, quando proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral, interromperão, automaticamente, a eficácia jurídica produzida pela coisa julgada em matéria tributária. Respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, a Administração Tributária poderá exigir o pagamento do tributo, a despeito da coisa julgada, independentemente de ação rescisória ou qualquer outra demandada.

Do nosso ponto de vista, a solução encontrada, até o momento, pelo eg. STF para a questão, representará, a rigor, uma quebra no sistema (“Bruch im System“)([1]). Nas relações jurídicas de trato continuado, dispõe o art. 505, I, do Código de Processo Civil (CPC) que a coisa julgada produz efeitos até sobrevir modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença([2]). Embora as decisões proferidas pelo Tribunal Pleno do eg. STF, em ação direta ou em sede de repercussão geral, implicarem a mudança do estado de direito, nas relações tributárias de trato continuado, não será mais necessário que a Fazenda Pública requeira a revisão do que foi estatuído na sentença, conforme o art. 505, I, do CPC. Do mesmo modo, na impugnação do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, a Fazenda Pública poderá arguir a inexigibilidade do título ou a inexigibilidade da obrigação fundada em lei declarada inconstitucional pelo STF ou em interpretação da lei ou de ato normativo tida pelo STF como incompatível com a Constituição, em ação direta ou em sede de repercussão geral, proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, independentemente de ação rescisória, a despeito do art. 535, § 8.º, do CPC([3]).

 

S.m.j., é a opinião legal.

 

([1])           A respeito, vide: Canaris, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Tradução de A. Menezes Cordeiro. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 200.

([2])           “Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.

([3])           “Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: […] III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; […] § 5.º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. § 6.º No caso do § 5.º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica. § 7º A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5.º deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. § 8.º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.”

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