No presente parecer, responderemos à consulta formulada por Software X Ltda. (>>Consulente<<) sobre os efeitos jurídicos da decisão proferida pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5.659/MG ([1]) e 1.945/MT ([2]).
A Consulente é sociedade empresária, organizada sob a forma das sociedades limitadas, que exerce atividades econômicas, relativas ao desenvolvimento, fabricação e comercialização de programas de computador, produzidos de forma uniforme e disponibilizados, no mercado, para qualquer interessado, sob a forma de download, isto é, softwares de prateleira (>>off the shelf software<<).
Com base na jurisprudência sobre a matéria, tanto do STF ([3]) quanto do STJ ([4]), segundo a qual apenas >>os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS<< ([5]), tributa o software de prateleira (>>off the shelf software<<) como mercadoria, sujeita ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Porém, no Estado do Rio Grande do Sul, as operações de saída de software de prateleira (>>off the shelf software<<) praticadas pela Consulente constituem hipótese de não-incidência (isenção) de ICMS ([6]). Na prática de operações de saída interestaduais de software de prateleira (>>off the shelf software<<) destinadas para não contribuintes do ICMS, a Consulente recolhe o diferencial de alíquota (DIFAL) ([7]).
Além disso, a Consulente opta pelo regime de tributação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Líquido Líquido (CSLL) com base no lucro presumido, aplicando os percentuais de presunção de 8% (oito por cento) ([8]) e de 12% (doze por cento) ([9]), respectivamente, sobre a receita bruta de venda do software de prateleira (>>off the shelf software<<), conforme a Solução de Consulta Disit/SRRF05 n. 5.001, de 27 de janeiro de 2020 ([10]).
Sendo assim, pergunta o seguinte:
(i) Quando a Consulente deverá passar a recolher o Imposto sobre Serviços (ISS) sobre a receita bruta de venda de software de prateleira (>>off the shelf software<<), de acordo com a decisão do Tribunal Pleno do STF? Além disso, o Município de Porto Alegre poderá cobrar retroativamente o ISS, com relação aos fatos geradores ocorridos nos últimos 5 (cinco) anos?
(ii) Dada a qualificação jurídica do software de prateleira (>>off the shelf software<<) como prestação de serviço pela decisão do Tribunal Pleno do STF, a Consulente deverá passar a aplicar o percentual de presunção de 32% (trinta e dois por cento) sobre a receita bruta de venda de software de prateleira (>>off the shelf software<<) para a apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, no regime de tributação com base no lucro presumido?
I.
Em 24 de fevereiro de 2021, o Tribunal Pleno do STF concluiu o julgamento da ADI n. 5.659/MG e n. 1.945/MT, no sentido de que incide apenas ISS sobre a receita bruta de venda de programas de computador (<<software>>), seja padronizado, seja personalizado, nos termos do item 1.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003.
Com relação à modulação dos efeitos, o Tribunal Pleno do STF decidiu, por maioria, o seguinte:
>>Em continuidade de julgamento, o Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão, atribuindo eficácia ex nunc, a contar da publicação da ata de julgamento do mérito em questão para: a) impossibilitar a repetição de indébito do ICMS incidente sobre operações com softwares em favor de quem recolheu esse imposto, até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, vedando, nesse caso, que os municípios cobrem o ISS em relação aos mesmos fatos geradores; b) impedir que os estados cobrem o ICMS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito. Ficam ressalvadas (i) as ações judiciais em curso, inclusive de repetição de indébito e execuções fiscais em que se discutam a incidência do ICMS e (ii) as hipóteses de comprovada bitributação, caso em que o contribuinte terá direito à repetição do indébito do ICMS. Por sua vez, incide o ISS no caso de não recolhimento do ICMS ou do ISS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito. […].<< ([11]) (grifou-se)
Portanto, visto que a Consulente não recolheu ICMS sobre operações de software, por se tratar de hipótese de não-incidência (isenção), o Município de Porto Alegre poderá cobrar retroativamente o ISS, relativo aos fatos geradores ocorridos nos último 5 (cinco) anos, acrescido de juros de mora ([12]), e multa de 75% (setenta e cinco por cento) ([13]). No caso de pagamento espontâneo, para elidir a multa de mora (10%), a Consulente poderá formalizar denúncia espontânea, consistente na apresentação da declaração, acompanhada pelo pagamento do tributo devido, acrescido dos juros de mora, antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, conforme o art. 138 do Código Tributário Nacional (CTN) ([14]).
No que diz respeito às operações interestaduais para destinatários não contribuintes do ICMS, nas quais a Consulente recolheu o DIFAL, de acordo com a decisão do STF, ela não poderá pleitear sua restituição. Por outro lado, o Município de Porto Alegre não poderá cobrar retroativamente o ISS, com relação aos fatos geradores ocorridos nos últimos 5 (cinco) anos.
Quanto ao DIFAL, em 24 de fevereiro de 2021, o Tribunal Pleno do STF, no julgamento conjunto do RE n. 128.701-9/DF ([15]), com repercussão geral (Tema 1093), e da ADI n. 5469/DF ([16]), declarou inconstitucional sua exigência nas vendas interestaduais a consumidor final não contribuinte do ICMS, em razão da ausência de lei complementar. Na ocasião, o Tribunal Pleno do STF fixou a seguinte tese: >>A cobrança do diferencial de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzido pela emenda EC 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar veiculando normas gerais.<<
No entanto, o Tribunal Pleno do STF também modulou os efeitos da decisão, de sorte que apenas terão direito à restituição do DIFAL pago indevidamente os contribuintes que ingressaram com ações judiciais até a data do julgamento (24/02/2021). Nos demais casos, a decisão produzirá efeitos somente a partir de 2022, exercício financeiro seguinte à data do julgamento. Como a Consulente não ingressou com a respectiva medida judicial, até 24 de fevereiro de 2021, não poderá requerer a restituição dos pagamentos indevidos, a título de DIFAL.
II.
Apesar disso, diante da publicação apenas da ata de julgamento, não foi possível verificar, até o momento, se o Tribunal Pleno do STF enfrentou, ao modular os efeitos da decisão sobre o software, a aplicação do princípio da anterioridade e do art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Explica-se.
Da decisão proferida pelo Tribunal Pleno do STF, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, no exercício do controle concentrado de constitucionalidade das leis e dos normativos do Poder Público, é veiculada uma norma geral e abstrata, que deve ser aplicada, com eficácia vinculante, pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal ([17]).
Todavia, no âmbito do direito tributário, as normas que instituem ou aumentem tributos devem ser aplicadas com respeito ao princípio da anterioridade, que consiste na garantia assegurada ao contribuinte de conhecimento antecipado da lei tributária mais gravosa ([18]). Há duas normas de anterioridade tributária:
(i) anterioridade de exercício, prevista pelo art. 150, III, ‘b’, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), que proíbe a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
e
(ii) anterioridade nonagesimal, prevista pelo art. 150, III, ‘c’,da CRFB/1988, que proíbe a cobrança de tributos, antes de 90 (noventa) dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Com relação à matéria, o CTN, no seu art. 104, dispõe o seguinte:
>>Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:
I – que instituem ou majoram tais impostos;
II – que definem novas hipóteses de incidência;
III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178<<.
Em outras palavras, uma nova norma tributária que implique a instituição ou aumento de tributos deve respeitar a anterioridade de exercício (lei publicada num ano-calendário só pode incidir a partir do ano-calendário seguinte), além do decurso de, no mínimo, 90 (noventa) dias da sua publicação (por exemplo, se a lei é publicada em 31 de dezembro, poderá incidir apenas sobre os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril do ano seguinte).
O STF já decidiu, no julgamento da ADI 939/DF ([19]), que o >>princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes<<, constituindo cláusula pétrea que não pode ser alterada sequer por emenda constitucional. De fato, a anterioridade visa à promoção não apenas da previsibilidade ou não-surpresa, mas também do conhecimento antecipado por tempo suficiente. A respeito, ensina Ávila:
>>em vez de previsibilidade, a segurança jurídica exige a realização de um estado de calculabilidade. Calculabilidade significa a capacidade de o cidadão antecipar as consequências alternativas atribuíveis pelo Direito a fatos ou a atos, comissos ou omissos, próprios ou alheios, de modo que a consequência efetivamente aplicada no futuro situe-se dentro daquelas alternativas reduzidas e antecipadas no presente<<. ([20])
No caso, a norma geral e abstrata, veiculada pela decisão proferida pelo Tribunal Pleno do STF, que passou a qualificar as operações com software de prateleira (>>off the shelf software<<) como prestação de serviço, implicou o aumento de tributo, por constituir, até então, hipótese de não-incidência (isenção) do ICMS. Isso porque, em tese, a partir da decisão do Tribunal Pleno do STF, a receita bruta de venda de software de prateleira (>>off the shelf software<<) auferida pela Consulente deverá ser tributada pelo ISS à alíquota de 2% (dois por cento) no Município de Porto Alegre ([21]).
Se isso não bastar, o art. 24 da LINDB ([22]) tamabém proíbe que a norma geral e abstrata veiculada pela decisão do Tribunal Pleno do STF retroaja sobre os fatos geradores ocorridos anteriormente, na medida em que ela representa uma alteração posterior ou ex post facto de orientações gerais do comportamento do contribuinte, com base em <<interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público>>.
Por isso, a produção dos efeitos da decisão do Tribunal Pleno do STF deve levar em consideração as especificidades do caso concreto, a fim de verificar a adequação do comportamento do contribuinte à posição jurisprudencial contemporânea à ocorrência dos fatos geradores. Conforme foi exposto alhures, a Consulente se pautou na jurisprudência, até então, sobre a matéria, tanto do STF ([23]) quanto do STJ ([24]), segundo a qual apenas >>os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS>> ([25]), sujeitando o software de prateleira (>>off the shelf software<<) ao ICMS. Sendo assim, caso a decisão do Tribunal Pleno do STF não tenha apreciado a aplicação do princípio da anterioridade e do art. 24 da LINDB, entendemos que a Consulente poderá impetrar mandado de segurança, a fim de que seja assegurado o direito líquido e certo de recolher o ISS apenas sobre os fatos geradores ocorridos a de 1º de janeiro de 2022.
III.
Com relação ao IRPJ e CSLL, no regime de tributação com base no lucro presumido, a Solução de Consulta SRRF05/Disit n. 5.001, de 27 de janeiro de 2020, havia firmado, até então, o entendimento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), no seguinte sentido:
>>Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. LUCRO PRESUMIDO. SOFTWARE. PROGRAMAS DE COMPUTADOR. SUPORTE TÉCNICO. PERCENTUAL PRESUNÇÃO.
A venda (desenvolvimento e edição) de softwares prontos para o uso (standard ou de prateleira), mesmo quando realizadas atualizações periódicas, classifica-se como venda de mercadoria e os percentuais para a determinação da base de cálculo do IRPJ apurado com base no lucro presumido é de 8% sobre a receita bruta.
A venda (desenvolvimento) de softwares por encomenda classifica-se como prestação de serviço e o percentual para determinação da base de cálculo do IRPJ apurado com base no lucro presumido é de 32% sobre a receita bruta.
A venda de softwares adaptados (customized), desde que representem meros ajustes no programa e não sejam significativos, de modo a não caracterizar o desenvolvimento de uma nova versão de um programa, configura venda de mercadoria e os percentuais para a determinação da base de cálculo do IRPJ apurado com base no lucro presumido é de 8% sobre a receita bruta.
A venda de softwares adaptados (customized), quando as adaptações forem significativas, representando o próprio desenvolvimento de um programa aderente às necessidades do cliente, configura prestação de serviços e o percentual para determinação da base de cálculo do IRPJ apurado com base no lucro presumido é de 32% sobre a receita bruta.
Caso a consulente desempenhe concomitantemente mais de uma atividade, o percentual de presunção correspondente deve ser aplicado sobre o valor da receita bruta auferida em cada atividade.
O suporte técnico oferecido aos usuários de programas de computador destinado ao seu adequado funcionamento configura uma prestação de serviço, sendo irrelevante que sua prestação decorra de uma exigência legal. O percentual para determinação da base de cálculo do IRPJ apurado com base no lucro presumido é de 32% sobre a receita bruta.[…].<<
Na mesma toada, seguia a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4):
>IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ). CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO (CSLL). BASE DE CÁLCULO. SOFTWARE STANDARD. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. 1. A pessoa jurídica que tem por atividade o licenciamento de software standard (software de prateleira) está sujeita à apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na sistemática do lucro presumido, pelo percentual de 8% e 12% da sua receita bruta, respectivamente. […]<< ([26])
>REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IRPJ E CSLL. LUCRO PRESUMIDO. SOFTWARES STANDARDS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A pessoa jurídica que desempenhava apenas atividade de licenciamento de software standards (softwares de prateleira), estava, nos termos dos arts. 15 e 20 da Lei 9.249, de 1995, sujeita à apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na sistemática do lucro presumido, pelo percentual de 8% e 12% da sua receita bruta, respectivamente. 2. Ainda que julgada parcialmente procedente a demanda, não cabe condenar a parte ré ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, quando a parte autora deu causa ao ajuizamento da demanda.<< ([27])
Entretanto, diante da eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal Pleno do STF ([28]), as operações com software, independente se padronizado (<<off the shelf software>>) ou personalizado (por encomenda), passaram a ser qualificadas como prestação de serviço. Logo, tornaram a se subsumir ao art. 15, § 1º, III, ‘a’, e ao art. 20, I, ambos da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que dispõem, respectivamente, o seguinte:
>>Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995. […]
- 1.º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será:
III – trinta e dois por cento, para as atividades de:
- a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.<< (grifou-se)
>>Art. 20. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2º, 25 e 27 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá aos seguintes percentuais aplicados sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-Lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período, deduzida das devoluções, das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos: I – 32% (trinta e dois por cento) para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso III do § 1º do art. 15 desta Lei<<. (grifou-se)
Dada a eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal Pleno do STF, as posições até então da RFB e do TRF4 deixaram de encontram fundamento de validade, de modo que a partir da publicação da ata de julgamento, ocorrida em 3 de março de 2021, nasceu, em tese, a obrigação de a Consulente aplicar sobre a receita bruta de venda de software os percentuais de presunção de 32% (trinta e dois por cento), para o cômputo da base de cálculo do IRPJ e CSLL, no regime de tributação com base no lucro presumido.
Porém, visto que a norma geral e abstrata veiculada pela decisão do Tribunal Pleno do STF também implicou o aumento do IRPJ e CSLL, no regime de tributação com base no lucro presumido, entendemos que a Consulente igualmente poderá impetrar mandado de segurança, a fim de que seja assegurado o direito líquido e certo de aplicar sobre a receita bruta de venda de software os percentuais de presunção de 32% (trinta e dois por cento), apenas sobre os fatos geradores ocorridos a de 1º de janeiro de 2022, para o cômputo da base de cálculo do IRPJ, e apenas sobre os fatos geradores ocorridos a partir de 3 de junho de 2021, para o cômputo da base de cálculo da CSLL. No caso da CSLL, é aplicável a anterioridade nonagesimal, prevista pelo art. 195, § 6º, da CRFB/1988 ([29]).
IV.
Ante ao exposto, chegamos às seguintes conclusões:
(i) Visto que a Consulente não recolheu ICMS sobre operações de software, por se tratar de hipótese de não-incidência (isenção), o Município de Porto Alegre, em tese, poderá cobrar retroativamente o ISS, relativo aos fatos geradores ocorridos nos último 5 (cinco) anos, acrescido de juros de mora, e multa de 75% (setenta e cinco por cento), de acordo com a decisão do Tribunal Pleno do STF. Para elidir a multa de mora (10%), no caso de pagamento espontâneo, a Consulente poderá formalizar denúncia espontânea à infração da legislação tributária, consistente na apresentação da declaração, acompanhada pelo pagamento do tributo devido, acrescido dos juros de mora, antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, conforme o art. 138 do CTN.
No que diz respeito às operações interestaduais para destinatários não contribuintes do ICMS, nas quais a Consulente recolheu o DIFAL, de acordo com a decisão do STF, ela não poderá pleitear sua restituição. Por outro lado, o Município de Porto Alegre não poderá cobrar retroativamente o ISS, com relação aos fatos geradores ocorridos nos últimos 5 (cinco) anos.
Quanto ao DIFAL, o Tribunal Pleno do STF também modulou os efeitos da decisão proferida no julgamento conjunto do RE n. 128.701-9/DF, com repercussão geral (Tema 1093), e da ADI n. 5469/DF, de forma que somente terão direito à restituição do DIFAL pago indevidamente os contribuintes que ingressaram com ações judiciais até a data do julgamento (24/02/2021). Nos demais casos, a decisão produzirá efeitos somente a partir de 2022, exercício financeiro seguinte à data do julgamento. Como a Consulente não ingressou com a respectiva medida judicial, até 24 de fevereiro de 2021, não poderá requerer a restituição dos pagamentos indevidos, a título de DIFAL.
Entretanto, a produção dos efeitos da decisão do Tribunal Pleno do STF deve levar em consideração as especificidades do caso concreto, a fim de verificar a adequação do comportamento do contribuinte à posição jurisprudencial contemporânea à ocorrência dos fatos geradores. A Consulente se pautou na jurisprudência, até então, sobre a matéria, tanto do STF quanto do STJ, segundo a qual apenas >>os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS>> ([30]). Sendo assim, caso a decisão do Tribunal Pleno do STF não tenha apreciado a aplicação do princípio da anterioridade e do art. 24 da LINDB, entendemos que a Consulente poderá impetrar mandado de segurança, a fim de que seja assegurado o direito líquido e certo de recolher o ISS apenas sobre os fatos geradores ocorridos a de 1º de janeiro de 2022.
(ii) Com relação ao IRPJ e CSLL, no regime de tributação com base no lucro presumido, dada a eficácia vinculante da decisão proferida pelo Tribunal Pleno do STF, as posições até então da RFB e do TRF4 deixaram de encontram fundamento de validade, de modo que a partir da publicação da ata de julgamento, ocorrida em 3 de março de 2021, nasceu, em tese, a obrigação de a Consulente aplicar sobre a receita bruta de venda de software os percentuais de presunção de 32% (trinta e dois por cento), para o cômputo da base de cálculo do IRPJ e CSLL, no regime de tributação com base no Lucro Presumido.
Porém, visto que a norma geral e abstrata veiculada pela decisão do Tribunal Pleno do STF também implicou o aumento do IRPJ e CSLL, no regime de tributação com base no lucro presumido, entendemos que a Consulente poderá igualmente impetrar mandado de segurança, a fim de que seja assegurado o direito líquido e certo de aplicar sobre a receita bruta de venda de software os percentuais de presunção de 32% (trinta e dois por cento), apenas sobre os fatos geradores ocorridos a de 1º de janeiro de 2022, para o cômputo da base de cálculo do IRPJ, e apenas sobre os fatos geradores ocorridos a partir de 3 de junho de 2021, para o cômputo da base de cálculo da CSLL. No caso da CSLL, é aplicável a anterioridade nonagesimal, prevista pelo art. 195, § 6º, da CRFB/1988.
S.m.j., é o parecer.
([1]) ADI 5659/MG, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, Ata de Julgamento n. 4, de 24/02/2021, DJe n. 39, divulgada em 02/03/2021, publicada em 03/03/2021.
([2]) ADI 1945/MT, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carmen Lúcia, Rel.p/acórdão Min. Dias Toffoli, Ata de Julgamento n. 4, de 24/02/2021, DJe n. 39, divulgada em 02/03/2021, publicada em 03/03/2021.
([3]) >>I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual ‘não foram opostos embargos declaratórios’. Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador (‘software’): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador’ ‘matéria exclusiva da lide’, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.<< (RE 176.626-3/SP, STF, T1, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, vu, j. 10/11/1998, DJ 11/12/1998, p. 10)
([4]) <<[…] se o programa é criado e vendido de forma impessoal para clientes que os compra como uma mercadoria qualquer, esta venda é gravada com o ICMS>>. (REsp 633.405/RS, STJ, T1, Rel. Luiz Fux, vu, j. 24/11/2004, DJ 13/12/2004, p. 241)
<<[…] incide ICMS nas operações relativas à comercialização despersonalizada de programas de computador>>. (REsp 222.001/SP, STJ, T2, Rel. Min. João Otávio de Noronha, vu, j. 03/05/2005, DJ 05/09/2005, p. 331)
([5]) AgRg no AREsp 32.547/PR, STJ, T2, Rel. Min. Humberto Martins, vu, j. 20/10/2011, DJe 27/10/2011.
([6]) Decreto n. 37.699/1997 (RICMS/RS), Livro V, Art. 35 << Art. 35. Não será exigido o imposto relativo às operações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, padronizados, ainda que sejam ou possam ser adaptados, quando disponibilizados por meio de transferência eletrônica de dados, até que haja definição do local da operação para efeitos de determinação do estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto>>.
([7]) Convênio ICMS n. 93, de 17 de setembro de 2015.
([8]) Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, Art. 15: <<Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995. >>
([9]) Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, Art. 20: <<Art. 20. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2º, 25 e 27 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá aos seguintes percentuais aplicados sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-Lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período, deduzida das devoluções, das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos: […] III – 12% (doze por cento) para as demais receitas brutas>>.
([10]) >>ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. EMENTA: LUCRO PRESUMIDO. VENDA DE PROGRAMAS DE COMPUTADOR. Para efeito de determinação da base de cálculo do IRPJ devido pelas empresas optantes pelo lucro presumido, é de oito por cento (8%) o percentual a ser aplicado sobre a receita bruta oriunda da venda de programas de computador produzidos em larga escala e de modo uniforme, disponíveis no mercado para aquisição por qualquer interessado (software ‘de prateleira’)<<. (Solução de Consulta n. 94 de 24 de agosto de 2010)
<<ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. LUCRO PRESUMIDO. SOFTWARE. PROGRAMAS DE COMPUTADOR. SUPORTE TÉCNICO. PERCENTUAL PRESUNÇÃO. A venda (desenvolvimento e edição) de softwares prontos para o uso (standard ou de prateleira), mesmo quando realizadas atualizações periódicas, classifica-se como venda de mercadoria e os percentuais para a determinação da base de cálculo do IRPJ apurado com base no lucro presumido é de 8% sobre a receita bruta. A venda (desenvolvimento) de softwares por encomenda classifica-se como prestação de serviço e o percentual para determinação da base de cálculo do IRPJ apurado com base no lucro presumido é de 32% sobre a receita bruta.[…].>> (Solução de Consulta Disit/SRRF05 n. 5001, de 27 de janeiro de 2020, DOU 13.02.2020)
([11]) Ata de Julgamento n. 4, de 24/02/2021, publicada em 03/03/2021, DJE n. 39
([12]) Lei Complementar n. 7 , de 7 de dezembro de 1973, Art. 69-A.
([13]) Lei Complementar n. 7 , de 7 de dezembro de 1973, Art. 56, II, ‘a’, II.
([14]) >>Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.<<
([15]) RE 128.701-9/DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/acórdão Min. Dias Toffoli, Ata de Julgamento n. 4, de 24/02/2021, publicada no DJE n. 39 em 03/03/2021.
([16]) ADI n. 5469/DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, Ata de Julgamento n. 4, de 24/02/2021, publicada no DJE n. 39 em 03/03/2021.
([17]) CRFB/1988, Art. 102, § 2.º: >>Art. 102. […] § 2.º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal>>.
([18]) Paulsen, Leandro. Curso de Direito Tributário completo. 7 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 125.
([19]) ADI 939, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, vu, DJ 18/03/1994.
([20]) Ávila, Humberto. Segurança jurídica. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 587.
([21]) Lei Complementar n. 7, de 7 de setembro de 1973, Art. 21, II: >>Art. 21. Nas hipóteses em que a base de cálculo estiver vinculada ao preço do serviço, incidirá a alíquota de 5% (cinco por cento) para determinação do montante do imposto devido, ressalvado o disposto nos incisos deste artigo: […] II – serviços de análise e desenvolvimento de sistemas, programação, elaboração de programas de computadores; licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação; assessoria e consultoria em informática; suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados, planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas, hospedagem de páginas, servidores e aplicações, gerenciamento e distribuição de listas e mensagens: 2,0%<<.
([22]) >>Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.>>
([23]) >>I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual ‘não foram opostos embargos declaratórios’. Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador (‘software’): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador’ ‘matéria exclusiva da lide’, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.<< (RE 176.626-3/SP, STF, T1, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, vu, j. 10/11/1998, DJ 11/12/1998, p. 10)
([24]) >>[…] se o programa é criado e vendido de forma impessoal para clientes que os compra como uma mercadoria qualquer, esta venda é gravada com o ICMS<<. (REsp 633.405/RS, STJ, T1, Rel. Luiz Fux, vu, j. 24/11/2004, DJ 13/12/2004, p. 241) <<[…] incide ICMS nas operações relativas à comercialização despersonalizada de programas de computador>>. (REsp 222.001/SP, STJ, T2, Rel. Min. João Otávio de Noronha, vu, j. 03/05/2005, DJ 05/09/2005, p. 331)
([25]) AgRg no AREsp 32.547/PR, STJ, T2, Rel. Min. Humberto Martins, vu, j. 20/10/2011, DJe 27/10/2011.
([26]) AC 5027360-42.2016.4.04.7200, TRF4, T2, Rel. Des. Luiz Carlos Cervi, vu, juntado aos autos em 12/02/2019.
([27]) APELREEX 5027850-35.2014.4.04.7200, TRF4, T2, Rel. Des. Rômulo Pizzollati, vu, juntado aos autos em 04/12/2015.
([28]) CRFB/1988, Art. 102, § 2.º: <<Art. 102. […] § 2.º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal>>.
([29]) >>Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: […] § 6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’.<<
([30]) AgRg no AREsp 32.547/PR, STJ, T2, Rel. Min. Humberto Martins, vu, j. 20/10/2011, DJe 27/10/2011.