Diego Galbinski
Prezado(s) Senhor(es),
Companhia X (“Consulente”), na pessoa da sua Gerente de Controladoria, Sr.ª Y, formula consulta a respeito da análise do risco (baixo, médio ou alto) de responsabilidade tributária solidária, com relação a créditos tributários devidos por cliente(s) que interpõe(m), ficticiamente, pessoa(s) (física ou jurídica), a fim de evadir o cumprimento de obrigações tributárias, decorrentes da venda (posterior) das mercadorias (ovos).
Quanto à responsabilidade tributária solidária, dispõe o Código Tributário Nacional (CTN), no seu art. 124, o seguinte:
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II – as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
Conforme este enunciado normativo, são solidariamente obrigadas ao crédito tributário (a) as pessoas expressamente designadas por lei (CTN, Art. 124, II) e (b) as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (CTN, Art. 124, I).
No que diz respeito à definição do conceito de interesse comum, que enucleia o suporte fático da responsabilidade tributária solidária, previsto pelo inciso I do art. 124 do Código Tributário Nacional (CTN), por se tratar de um conceito indeterminado, cuja extensão de significado é incerta ([1]), tem o intérprete certa dose de discricionariedade para escolher qual é o melhor sentido, à luz das circunstâncias do caso concreto ([2]).
Quando enfrentou situações de fato semelhantes, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) ([3]) concluiu que o interesse comum a que se refere o art. 124, I, do Código Tributário Nacional (CTN) não se confundiria com interesse econômico, na medida em que o interesse comum exigiria do contribuinte e do (eventual) responsável solidário que participassem “conjuntamente da situação que configura o fato gerador, sendo irrelevante a simples participação nos lucros eventualmente obtidos pela outra empresa coligada ou do mesmo grupo econômico” ([4]).
Em outras palavras, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu que a presença do interesse comum pressuporia que as pessoas solidariamente obrigadas (o contribuinte e o – eventual – responsável solidário) ocupassem o mesmo polo da relação jurídica que causou a ocorrência da situação definida em lei como fato gerador da obrigação principal. Caso contrário, não haveria interesse comum na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, previsto pelo inciso I do art. 124 do Código Tributário Nacional (CTN) como suporte fático da responsabilidade tributária solidária.
Este sentido também é atribuído pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para a definição do conceito de interesse comum utilizado pelo inciso I do art. 124 do Código Tributário Nacional (CTN). No REsp 859.616/RS, confirmado, posteriormente, pelo EREsp 859.616/RS, a col. 1.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não existiria interesse comum na situação de fato que constitui o fato gerador da obrigação principal toda vez que o contribuinte e o (eventual) responsável solidário ocupassem posições (jurídicas) contrapostas e tivessem objetivos antagônicos ([5]).
No voto condutor, o relator, Min. Luiz Fux, desenvolveu a seguinte ordem de considerações a respeito da questão:
A solidariedade passiva é um instituto de direito civil aplicável a todos os ramos do direito, segundo o qual, em havendo pluralidade de sujeitos no pólo passivo de uma relação jurídica, cada um deles é obrigado à dívida toda, podendo o credor exigir de um ou alguns, parcial ou totalmente, a dívida em comum.
Com efeito, em matéria tributária, a presunção de solidariedade opera inversamente àquela do direito civil, no sentido de que sempre que, numa mesma relação jurídica, houver duas ou mais pessoas caracterizadas como contribuinte, cada uma delas estará obrigada pelo pagamento integral da dívida, perfazendo-se o instituto da solidariedade passiva. Ad exemplum, no caso de duas ou mais pessoas serem proprietárias de um mesmo imóvel urbano, haveria uma pluralidade de contribuintes solidários quanto ao adimplemento do IPTU, uma vez que a situação de fato – a co-propriedade – é-lhes comum.
[…]Nesse segmento, conquanto a expressão “interesse comum” – encarte um conceito indeterminado, é mister proceder-se a uma interpretação sistemática das normas tributárias, de modo a alcançar a ratio essendi do referido dispositivo legal.
Nesse diapasão, tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da obrigação.
[…]Destarte, a situação que evidencia a solidariedade, no condizente ao ISS, é a existência de duas ou mais pessoas na condição de prestadoras de apenas um único serviço para o mesmo tomador, integrando, desse modo, o pólo passivo da relação. Forçoso concluir, portanto, que o interesse qualificado pela lei não há de ser o interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas o interesse jurídico, vinculado à atuação comum ou conjunta da situação que constitui o fato imponível ([6]).
Portanto, à luz da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), podemos concluir que o risco de a Consulente ser responsabilizada solidariamente por créditos tributários devidos por cliente(s) que interpõe(m), ficticiamente, pessoa(s) (física ou jurídica), para evadir o cumprimento de obrigações tributárias, decorrentes da venda (posterior) das mercadorias (ovos), é baixo.
Em que pese possuírem interesses coincidentes, no que diz respeito à sua realização, o vendedor e o comprador, no contrato de compra e venda, têm interesses contrapostos, no que diz respeito à sua execução ([7]). Por isso, o vendedor, a rigor, não participaria, em tese, com o comprador, da situação jurídica que configura o fato gerador da obrigação principal, caso o comprador interpusesse, ficticiamente, pessoa(s) (física ou jurídica), para evadir o seu cumprimento, na(s) operação(ões) posterior(es).
Este risco, porém, é médio, se levarmos em consideração o ponto de vista (interpretativo) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), que diverge do entendimento firmado não só pela jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), mas também pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A respeito da definição do conceito de interesse comum, o Parecer Normativo COSIT/RFB n. 4, de 10 de dezembro de 2018, firmou a posição de que significaria o “interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou” (grifou-se).
Conforme este ponto de vista (interpretativo), a responsabilidade tributária solidária poderia recair tanto sobre aqueles que atuam diretamente, realizando atos que, individualmente ou em conjunto com outros, levam à situação que configura o fato gerador, quanto sobre aqueles que estão ativamente envolvidos no ato, fato ou negócio que deu origem ao evento tributário, por meio da prática de atos ilícitos que o manipularam.
O interesse comum só seria sinônimo de interesse jurídico nos casos em que se estivesse a tratar de negócio jurídico lícito. Por outro lado, nos casos em que se estivesse a tratar de ato ilícito, haveria, presumivelmente, uma comunhão entre as partes, visando à lesão da administração tributária. Ou seja, uma “presunção de ilicitude” que seria aplicável a todos os envolvidos, desimportando qual polo da relação jurídica eles viessem a ocupar.
No Parecer Nomativo COSIT/RFB n. 4, de 10 de dezembro de 2018, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) deu exemplos de casos em que essa “presunção de ilicitude” seria aplicável: (a) formação de grupo econômico irregular, através do abuso da personalidade jurídica; (b) simulação, evasão tributária e demais atos deles decorrentes; e (iii) abuso da personalidade jurídica com o intuito de suprimir ou reduzir tributos, mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo).
A partir desta premissa, entendemos que o fato de que a Consulente, no mínimo, suspeite que cliente(s) interponha(m), ficticiamente, pessoa(s) (física ou jurídica) para evadir o cumprimento de obrigações tributárias, decorrentes da venda (posterior) das mercadorias (ovos), pode levar a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) a presumir a ocorrência da ilicitude, decorrente da sua participação omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito (interposição fictícia de pessoa física ou jurídica), em prejuízo à administração tributária.
Ante ao exposto, o risco de a Consulente ser responsabilizada solidariamente por créditos tributários devidos por cliente(s) que interpõe(m), ficticiamente, pessoa(s) (física ou jurídica), para evadir o cumprimento de obrigações tributárias, decorrentes da venda (posterior) das mercadorias (ovos), é baixo, à luz da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em que pese possuírem interesses coincidentes, no que diz respeito à sua realização, o vendedor e o comprador, no contrato de compra e venda, têm interesses contrapostos, no que diz respeito à sua execução ([8]). Por isso, o vendedor, a rigor, não participaria, em tese, com o comprador, da situação jurídica que configura o fato gerador da obrigação principal, caso o comprador interpusesse, ficticiamente, pessoa(s) (física ou jurídica), para evadir o seu cumprimento, na(s) operação(ões) posterior(es).
Este risco, porém, é médio, se levarmos em consideração o ponto de vista (interpretativo) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), que diverge do entendimento firmado não só pela jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), mas também pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Conforme este ponto de vista (interpretativo), o fato de que a Consulente, no mínimo, suspeite que cliente(s) interponha(m), ficticiamente, pessoa(s) (física ou jurídica) para evadir o cumprimento de obrigações tributárias, decorrentes da venda (posterior) das mercadorias (ovos), pode levar a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) a presumir a ocorrência da ilicitude, decorrente da sua participação omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito (interposição fictícia de pessoa física ou jurídica), em prejuízo à administração tributária.
Responsabilizada, solidariamente, por créditos tributários devidos por cliente(s) que interpõe(m), ficticiamente, pessoa(s) (física ou jurídica), para evadir o cumprimento de obrigações tributárias, decorrentes da venda (posterior) das mercadorias (ovos), a isenção do ICMS na saída interna de ovo in natura, prevista pelo Item 12.h do Anexo I do RICMS/MG ([9]), e a alíquota 0 (zero) do PIS e COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda, no mercado interno, de ovos, prevista pelo art. 28, III, da Lei n. 10.865, de 320 de abril de 2004 ([10]), exonerariam a (respectiva) responsabilidade solidária da Consulente, conforme o art. 125, II, do Código Tributário Nacional (CTN) (“Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: […] II – a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um dêles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo“).
S.m.j., é o parecer.
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([1]) Engisch, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 9 ed. Tradução de João Batista Machado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 208.
([2]) Engisch, op. cit., p. 219-22.
([3]) CARF, Processo n. 13896.721547/2013-80, Acordão n. 1402-002.143, relatoria do Conselheiro Frederico Augusto Gomes de Alencar, publicado em 23/02/2017; CARF, Processo n. 19311.720512/2013-33, Acórdão n. 1201-002.082, relatoria da Conselheira Gisele Barra Bossa, publicado em 17/04/2018; CARF, Processo n. 19311.720512/2013-33, Acórdão n. 1301-006.134, relatoria do Conselheiro José Eduardo Dornelas Souza, publicado em 02/01/2023. 13896.721547/2013-80.
([4]) REsp 834.044/RS, STJ, T1, Rel.ª Min.ª Denise Arruda, vu, j. 11/11/2008, DJe 15/12/2008.
([5]) REsp 859.616/RS, STJ, T1, Rel. Min. Luiz Fux, vu, j. 18/09/2007, DJ 15/10/2007, p. 240.
([6]) REsp 859.616/RS, STJ, T1, Rel. Min. Luiz Fux, vu, j. 18/09/2007, DJ 15/10/2007, p. 240.
([7]) Schoueri, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 503
([9]) “Item 12: Saída, em operação interna ou interestadual, dos seguintes produtos, em estado natural:[…] h) ovo, exceto o fértil”.
([10]) “Art. 28. Ficam reduzidas a 0 (zero) as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda, no mercado interno, de: […] III – produtos hortícolas e frutas, classificados nos Capítulos 7 e 8, e ovos, classificados na posição 04.07, todos da TIPI”.