OPINIÃO LEGAL | Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Não Incidência sobre Receitas de Prestação de Serviços. Tomadores Sediados na Zona Franca de Manaus (ZFM)

Diego Galbinski

 

Prezado(s) Senhor(es),

 

  1. Da Consulta. Companhia X, na pessoa do seu Gerente Nacional de Negócios, Sr. Y, formula consulta a respeito da não incidência da Contribuição para o Programa de Integração Social (daqui em diante, “PIS“) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (daqui em diante, “COFINS“) sobre a receita de prestação de serviços para tomadores sediados na Zona Franca de Manaus (daqui em diante, “ZFM“).

Segundo os fatos narrados pela Consulente, clientes estabelecidos na ZFM passaram a exigir que as notas fiscais de serviços sejam emitidas sem a retenção de PIS e COFINS, devido a precedente recentemente fixado pelo Superior Tribunal de Justiça (daqui em diante, “STJ“) em julgamento de recurso especial repetitivo.

A Consulente questiona, então, se existiria ou não fundamento jurídico que desse suporte para a ausência de retenção de PIS e COFINS sobre as notas fiscais que emitir para serviços tomados por estabelecimentos localizados na ZFM.

 

  1. Da Equiparação da ZFM a Exportação. No que diz respeito à questão consultada, o art. 4.º do Decreto-lei n. 288, de 28 de fevereiro de 1967 (daqui em diante, “Decreto-lei n. 288/1967“) equipara as mercadorias nacionais destinadas à ZFM, para todos os efeitos fiscais, como exportadas para o estrangeiro fossem ([1]).

2.1         Interpretada de forma extensiva, essa equiparação incluiria não apenas operações de venda de mercadorias, mas também operações de prestação de serviços, à luz do seu objetivo ou propósito (rule’s purpose) ([2]).

 

  1. Da Não Incidência das Contribuições Sociais sobre Receitas de Exportação. Dada sua equiparação à exportação, foi desenvolvida a tese de que tanto a receita de venda de mercadorias quanto a receita de prestação de serviços a estabelecimentos de pessoas jurídicas com sede na ZFM não estariam sujeitas à incidência do PIS e COFINS.

3.1         A tese encontraria o seu fundamento no art. 149, § 2.º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 (daqui em diante, “CRFB/1988“), que estabelece a não incidência das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as receitas decorrentes de exportações ([3]).

3.2         No âmbito da legislação infraconstitucional, essa norma constitucional de imunidade tributária é reproduzida pelo art. 5.º da Lei n. 10.637, de 30 de dezembro de 2002, (daqui em diante, “Lei n. 10.637/2002“), que dispõe sobre o regime não cumulativo do PIS ([4]), e pelo art. 6.º da Lei n. 10.833, de 29 de dezembro de 2003 (daqui em diante, “Lei n. 10.833/2003“), que dispõe sobre o regime não cumulativo da COFINS ([5]).

 

  1. Do Precedente do STJ. Em 11/06/2025, o tema foi julgado pelo STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos, que culminou com a fixação da seguinte tese:

As receitas obtidas com a prestação de serviços e com a venda de produtos nacionais ou nacionalizados para pessoas físicas ou jurídicas situadas na Zona Franca de Manaus estão livres da incidência das contribuições ao PIS e à COFINS, independentemente da localização do prestador ou fornecedor, e da natureza jurídica do destinatário ([6]).

4.1         De uma maneira geral, a ratio decidendi (daqui em diante, “razão de decidir“) do precedente fixado pelo STJ residiu na interpretação teleológica do art. 4.º do DL n. 288/1967, a partir do art. 3.º, III, da CRFB/1988, que enuncia a redução das desigualdades regionais como um dos objetivos constitucionais ([7]), e do art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórios (daqui em diante, “ADCT”), que manteve a ZFM como área livre de comércio, exportação e importação e de incentivos fiscais ([8]).

4.2         Além disso, a razão de decidir do precedente fixado pelo STJ reconheceu que a equiparação do art. 4.º do Decreto-lei n. 288/1967 deveria ser entendida em sentido amplo, à luz do art. 5.º da Lei n. 10.637/2002 e do art. 6.º da Lei n. 10.833/2003. Ao final, declarou que o art. 4.º do DL n. 288/1967 não dissocia ou distingue entre destinatários das operações de venda de mercadorias ou das operações de prestação de serviços (se pessoas físicas ou jurídicas).

4.3         A exemplo de todo e qualquer precedente, a decisão tomada pelo STJ ao julgar esse tema produz eficácia vinculante, a teor do que dispõe o art. 927, III, do Código de Processo Civil (daqui em diante, “CPC“) ([9]).

 

  1. 5. Dos Requisitos ou Condições para a Aplicação do Precedente. Para a Consulente aplicar, com segurança, o precedente fixado pelo STJ, a ponto de emitir as notas fiscais de prestação de serviços, para clientes com estabelecimentos sediados na ZFM, sem a retenção do PIS e COFINS, é recomendável que sejam observados os seguintes requisitos ou condições:

5.1         Localização do tomador do serviço: comprovação de que o tomador do serviço esteja efetivamente localizado ou estabelecido na ZFM;

5.2         Identificação do estabelecimento emissor: emissão da nota fiscal de prestação de serviço pelo estabelecimento da Consulente com sede na ZFM (embora o precedente não a exija);

5.3         Descrição clara na nota fiscal de prestação de serviços: indicação expressa da fundamentação jurídica (“Art. 4.º do Decreto-lei n. 288/1967; Art. 149, § 2.º, I, da CRFB/1988; Lei n. 10.637, Art. 5.º; Lei n. 10.833, Art. 6.º; Tema Repetitivo 1.239 STJ; CPC, Art. 927, III”);

5.4         Dossiê probatório: arquivamento de documentos comprobatórios da prestação de serviços a tomadores estabelecidos na ZFM (contratos, ordens de serviço, comprovantes de execução, etc.).

 

  1. 6. Da Análise de Risco. Não obstante o precedente fixado pelo STJ, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (daqui em diante, “RFB“) poderá exigir que a Consulente comprove, no futuro, a materialidade da não incidência do PIS e COFINS sobre as receitas de prestação de serviços para tomadores estabelecidos na ZFM.

6.1         O risco principal repousaria sobre a possível divergência de interpretação da RFB sobre o efetivo local de prestação ou fruição do serviço, especialmente se houver execução parcial fora da ZFM.

 

  1. 7. Da Conclusão e Recomendação(ões). À luz do precedente que foi fixado pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo 1.239, as receitas decorrentes da prestação de serviços a tomadores estabelecidos na ZFM não estão sujeitas à incidência das contribuições do PIS e COFINS. Logo, as notas fiscais que a Consulente emitir para serviços tomados por estabelecimentos com sede na ZFM não devem mais conter o destaque da retenção de PIS e COFINS.

7.1         É recomendável, porém, que o procedimento de emissão de nota fiscal sem a retenção de PIS e COFINS seja padronizado, com indicação expressa da fundamentação jurídica (“Art. 4.º do Decreto-lei n. 288/1967; Art. 149, § 2.º, I, da CRFB/1988; Lei n. 10.637/2002, Art. 5.º; Lei n. 10.833/2003, Art. 6.º; Tema Repetitivo 1.239 STJ; CPC, Art. 927, III“).

7.2         Também são recomendáveis que o setor fiscal seja treinado para o arquivamento e manutenção da documentação comprobatória; e que a opinião legal, quando necessário, seja atualizada, caso sobrevenham alterações legislativas ou jurisprudenciais.

7.3         Para a sua conveniência e comodidade, segue anexa sugestão de modelo de cláusula para as notas fiscais e de roteiro de checklist fiscal.

 

S.m.j, é a opinião legal.

 

([1])            “Art. 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro”.

([2])            A respeito, vide: Schauer, Frederick. Playing by the Rules: A Philosophical Examination of Rule-Based Decision-Making in Law and in Life. Oxford: Clarendon Press, 1991.

([3])            “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6.º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. […] § 2.º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação.”

([4])             “Art. 5.º A contribuição não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de: I – exportação de mercadorias para o exterior; II – prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas; III – vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação; IV – vendas, com fim específico de exportação, a empresa estabelecida na Zona Franca de Manaus ou em áreas de livre comércio; V – vendas de energia elétrica para consumo em território estrangeiro, nas hipóteses definidas pelo Poder Executivo. Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo, no que couber, às receitas de vendas realizadas por intermédio de trading company ou empresa comercial exportadora.”

([5])             “Art. 6.º A contribuição não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de: I – exportação de mercadorias para o exterior; II – prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas; III – vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação; IV – vendas, com fim específico de exportação, a empresa estabelecida na Zona Franca de Manaus ou em áreas de livre comércio; V – vendas de energia elétrica para consumo em território estrangeiro, nas hipóteses definidas pelo Poder Executivo. Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo, no que couber, às receitas de vendas realizadas por intermédio de trading company ou empresa comercial exportadora.”

([6])            Tema Repetitivo 1.239, STJ, S1, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 11/06/2025, acórdãos paradigmas: REsp 2.093.050/AM, REsp 2.093.052/AM, REsp 2.152.381, REsp 2.152.904, REsp 2.152.161 e AREsp 2.613.918.

([7])            “Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: […] III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

([8])            “Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais”.

([9])            “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: […] III – os acórdãos em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos”.

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