Análise Jurídico-Contábil das Retificações das Obrigações Tributárias Acessórias (EFD ICMS IPI e GIA), Após a Notificação do Auto de Lançamento (AL) n. (…), Formalizado pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, em (…)

Arthur Rocha Benevides Magalhães

Diego Galbinski

1 Considerações Iniciais. Empresa X (“Consulente”), na pessoa do seu ilustre advogado, Dr. Y, requer sejam analisadas as retificações das obrigações tributárias acessórias (EFD ICMS IPI e GIA) que teriam sido transmitidas após a notificação do Auto de Lançamento (AL) n. (…) (“lançamento tributário”), formalizado pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, em 22/06/2023, para desconstituir, no mínimo, parcialmente, o crédito tributário, no valor de R$ 6.332.331,43, a título de ICMS (R$ 3.620.785,67), Multa (R$ 2.172.471,23) e Juros (R$ 539.074,53).

1.2         Do ponto de vista da Consulente, as retificações das obrigações tributárias acessórias (EFD ICMS IPI e GIA), por razões do princípio da verdade material, deveriam ter sido consideradas pela autoridade julgadora de primeira instância, quando julgou procedente o lançamento tributário, a despeito de o § 1.º do art. 147 do Código Tributário Nacional (CTN) enunciar que “A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, que vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento”.

1.3         A partir desta premissa, precluída a r. decisão administrativa que julgou procedente o lançamento tributário, cogita discutir, judicialmente, o crédito tributário, através da propositura de ação anulatória de débito fiscal (Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, Art. 38) ([1]). Para instruir a petição inicial, solicita, então, a análise não apenas jurídica, mas também contábil das retificações das obrigações tributárias acessórias (EFD ICMS IPI e GIA), a fim de que sejam averiguadas as operações de saída (débitos de ICMS), as operações de entrada (créditos de ICMS) e os seus registros nas obrigações tributárias  acessórias retificadas (EFD ICMS IPI e GIA), nos períodos de apuração de 09/2019 a 03/2023 (“período-base”).

2 Das Retificações das Obrigações Tributárias Acessórias (EFD ICMS IPI e GIA). Extraídos os arquivos originais e retificados do Programa ReceitaNetBX, em 29/12/2023, identificamos que a Consulente, com relação ao período-base, transmitiu 9 (nove) arquivos retificados, nas datas a seguir descriminadas:

Competência

Original

Retificadora

09/2019

15/10/2019

08/02/2023

10/2019

14/11/2019

08/02/2023

11/2019

13/12/2019

08/02/2023

12/2019

14/01/2020

08/02/2023

03/2020

15/04/2020

28/01/2021

10/2020

16/11/2020

17/06/2021

11/2020

15/12/2020

11/02/2021

12/2020

15/01/2021

01/02/2021

12/2021

14/01/2022

28/03/2022

 

2.1       Portanto, carece de base factual a informação prestada pela Consulente de que após a notificação do lançamento tributário teriam sido retificadas as obrigações tributárias acessórias (EFD ICMS IPI e GIA) relativas ao período-base.

2.2       Logo, além de confirmarmos as infrações à legislação tributária  que foram apontadas pelo lançamento tributário, verificamos, no período-base, outras irregularidades praticadas pela Consulente, que serão demonstradas a seguir.

3 Débitos de ICMS Não Escriturados na EFD ICMS IPI. Assim como o lançamento tributário, constatamos que a Consulente não escriturou na EFD ICMS IPI inúmeros documentos fiscais de saída que foram emitidos no período-base.

 3.1       Porém, ao conciliarmos os períodos de apuração nos quais não foram escrituradas operações com incidência do imposto, constatamos que o ICMS debitado não escriturado no período-base perfaz o valor de R$ 4.200.984,84, em vez do montante de R$ 3.368.944,30 que foi calculado pelo lançamento tributário.

3.2       São estes os períodos de apuração em que a Consulente não escriturou débitos de ICMS na EFD ICMS IPI (Registro E110): 01/2020, 04/2020, 05/2020, 06/2020, 07/2020, 09/2020, 02/2021, 03/2021, 04/2021, 05/2021, 06/2021, 08/2021, 10/2021, 11/2021, 02/2022, 03/2022, 04/2022, 05/2022, 07/2022 e 08/2022.

4 Operações de Saída Escrituradas com CFOP de Operação Não Especificada (5.949/6.949) Sem o Destaque do Imposto. Além disso, averiguamos que determinadas operações de saída praticadas pela Consulente, no período-base, foram codificadas com o CFOP 5.949/6.949 sem o destaque do imposto.

4.1         Entretanto, a emissão de documentos fiscais com o CFOP (de saída) 5.949/6.949 diz respeito a outros tipos de operações sem especificação definida, que estão sujeitos à incidência do ICMS.

4.2         No período-base, o ICMS devido por operações de saída escrituradas com CFOP de operação não especificada (5.949/6.949) equivale à quantia de R$ 310.736,86. Esse valor também não foi reconhecido pelo lançamento tributário, nos débitos de ICMS não informados em GIA no período-base, quando ele calculou o montante do tributo devido pela Consulente.

5 Créditos de ICMS Não Escriturados na EFD ICMS IPI. Por outro lado, a partir dos arquivos .xml que dizem respeito às operações de entrada (créditos de ICMS), identificamos que a Consulente, no período-base, não escriturou na EFD ICMS IPI créditos de ICMS, no montante de R$ 31.958,59.

5.1         Embora não tenham sido escriturados pela Consulente na EFD ICMS IPI, esses créditos de ICMS deveriam ter sido admitidos pelo lançamento tributário para o cálculo do montante do tributo devido, por força do princípio da não-cumulatividade, previsto pelo art. 155, § 2.º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 ([2]), e pelo art. 19 da Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996 ([3]).

6 Créditos de ICMS não informados na GIA. Igualmente, averiguamos que o lançamento tributário não admitiu créditos de ICMS escriturados pela Consulente na EFD ICMS IPI com relação ao período-base, equivalentes à quantia de R$ 832.996,97.

6.1         Esse valor é o resultado da subtração entre o total dos créditos idôneos de ICMS escriturados pela Consulente na EFD ICMS IPI (R$ 1.417.504,68) e o total dos créditos de ICMS admitidos pelo lançamento tributário para o cálculo do montante do tributo devido pela Consulente (R$ 584.507,71), durante o período-base.

6.2         Validamos o total dos créditos idôneos de ICMS escriturados pela Consulente na EFD ICMS IPI (R$ 1.417.504,68) no período-base, com base em relevância de fornecedores, descrição de produtos, NCM, CFOP e Código de Situação Tributária, à luz do art. 31 do Livro I do RICMS/RS. Para o seu cálculo, excluímos os créditos inidôneos de ICMS escriturados pela Consulente na EFD ICMS IPI no período-base, relativos à aquisição de bens alheios à atividade-fim, como uniformes, refeições e almoços, no valor de R$ 175.165,78 (em vez do montante de R$ 168.815,92 que não foi admitido pelo lançamento tributário).

6.2         Apesar de não terem sido lançados pela Consulente na GIA, esses créditos de ICMS também deveriam ter sido admitidos pelo lançamento tributário para o cálculo do montante do tributo devido, por força do princípio da não-cumulatividade, previsto pelo art. 155, § 2.º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, e pelo art. 19 da Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996.

7 Considerações Finais. Portanto, carece de base factual a informação que foi prestada pela Consulente de que após a notificação do lançamento tributário teriam sido retificadas as obrigações tributárias acessórias (EFD ICMS IPI e GIA) relativas ao período-base.

7.1         Logo, além de confirmarmos as infrações à legislação tributária  que foram apontadas pelo lançamento tributário, verificamos que a Consulente praticou outras irregularidades no período-base, a saber:

7.1.1      Débitos de ICMS não escriturados na EFD ICMS IPI, no valor de R$ 4.200.984,84 (em vez do montante de R$ 3.368.944,30 que foi calculado pelo lançamento tributário); e

7.1.2      Operações de saída escrituradas com CFOP de operação não especificada (5.949/6.949) sem o destaque do imposto, no valor de R$ 310.736,86.

7.2         Por outro lado, verificamos que o lançamento tributário não admitiu para o cálculo do montante do tributo devido no período-base os seguintes créditos de ICMS, em desrespeito ao princípio da não-cumulatividade (Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, Art. 155, § 2.º, I; Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996, Art. 19):

7.2.1      Créditos de ICMS não escriturados na EFD ICMS IPI, no valor de R$ 31.958,59; e

7.2.2      Créditos de ICMS não informados na GIA, no valor de R$ 832.996,97.

7.3         Esse valor (R$ 832.996,97) é o resultado da subtração entre o total dos créditos idôneos de ICMS escriturados pela Consulente na EFD ICMS IPI (R$ 1.417.504,68) e o total dos créditos de ICMS admitidos pelo lançamento tributário para o cálculo do montante do tributo devido pela Consulente (R$ 584.507,71), no período-base.

7.4         Como a Consulente transmitiu diversos arquivos EFD ICMS IPI com omissão de informações ou informações incorretas, ela também estava sujeita à aplicação de multa por infração formal à legislação tributária, equivalente a 1% (um por cento) do valor das respectivas operações, conforme o art. 11, IV, 2, da Lei n. 6.537, de 27 de fevereiro de 1973, que dispõe o seguinte:

Art. 11 – Pela prática das infrações tributárias formais a seguir enumeradas, são cominadas as seguintes multas:

[…]

IV – infrações relativas a informações devidas por contribuintes:

[…]
  1. h) em relação à Escrituração Fiscal Digital – EFD:
[…]

2 – omitir informações ou prestar informações incorretas: multa de 1% do valor das respectivas operações ou prestações, não inferior a 120 UPF-RS.

7.5         Visto que o resultado da soma das operações omitidas ou informadas incorretamente pela Consulente é de R$ 52.000.000,00, a Consulente também estava sujeita à multa por infração formal da legislação tributária, prevista pelo art. 11, IV, 2, da Lei n. 6.537, de 27 de fevereiro de 1973, equivalente à quantia de R$ 520.000,00, que não foi aplicada pelo lançamento tributário.

7.6         Por fim, alertamos que a escrituração fiscal da Consulente é frágil e suscetível a outras autuações. Ao longo deste trabalho, identificamos, por exemplo, bens escriturados como insumos que não têm qualquer relação com as atividades econômicas exercidas pela Consulente. A título meramente ilustrativo, no dia 12/12/2019, foi emitida pelo fornecedor RI HAPPY BRINQUEDOS S.A. nota fiscal de venda de brinquedos, que foram escriturados pela Consulente com o CFOP 1.101, designado para matérias-primas, embalagens e produtos intermediários.

7.7         Ante ao exposto, precluída a r. decisão administrativa que julgou procedente o lançamento tributário, a Consulente poderá discutir, judicialmente, o crédito tributário, através da propositura de ação anulatória de débito fiscal, apenas a fim de que sejam admitidos para o cálculo do montante do tributo devido no período-base os seguintes créditos de ICMS:

7.7.1      Créditos de ICMS não escriturados na EFD ICMS IPI, no valor de R$ 31.958,59; e

7.7.2      Créditos de ICMS não informados na GIA, no valor de R$ 832.996,97.

7.8         Caso o pedido seja julgado procedente, o crédito tributário será diminuído para o valor (aproximado) de R$ 4.819.625,26, a título de ICMS (R$ 2.755.830,11), Multa (R$ 1.653.498,07) e Juros (R$ 410.297,08). Em outras palavras, o crédito tributário que foi constituído pelo lançamento tributário será reduzido em R$ 1.512.706,17. O êxito, porém, é possível, mas não provável.

S.m.j., é o parecer.

_________________________________

([1])             “Art. 38. A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos. Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.”

([2])             “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: […] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.

([3])             “Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.”

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