EFICÁCIA, NO TEMPO, DA DECISÃO DE EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS

Recentemente, a Sociedade de Advogados X, na pessoa do seu sócio, relatou que a Empresa Y, em 25 de setembro de 2010, impetrara mandado de segurança, a fim de assegurar o direito líquido e certo à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS.

Após idas e vindas, o pedido fora julgado procedente pela 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que deu provimento à apelação, nos termos da seguinte ementa:

Contribuição para o PIS. Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Inclusão do ICMS na Base de Cálculo. Descabimento. Juízo de Retratação.

  1. Cabe retratar o acórdão deste tribunal que diverge da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral.
  2. É indevida a inclusão dos valores referentes ao Icms na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
  3. Em se tratando de ação para aproveitamento em compensação tributária de quantias pagas indevidamente, a título de tributo, ajuizada depois de 09-06-2005, ou seja, após a vacatio legis da Lei Complementar no 118, de 09-02-2005, que alterou o art. 168 do Código Tributário Nacional (CTN), o prazo prescricional aplicável é de cinco (5) anos.

Rejeitados os embargos de declaração, os autos aguardam o esgotamento do prazo para a interposição dos recursos especial e extraordinário, por parte da União – Fazenda Nacional.

Apesar de o pedido ter sido julgado procedente, a Empresa Y remanesceria com as seguintes dúvidas:

“1. Qual é a eficácia, no tempo, da decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS?

  1. A decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS também produz efeitos após 31 de dezembro de 2014, quando iniciou a vigência da Lei n. 12.973, de 13 de maio de 2014?
  2. Caso negativa a resposta, será necessária a impetração de outro mandado de segurança, a fim de garantir o direito líquido e certo à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS após 31 de dezembro de 2014?”

II.

Com relação à primeira questão, a eficácia, no tempo, da decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS pode ser analisada da seguinte forma:

(a) com relação ao passado: até 5 (cinco) anteriores à data da impetração do mandado de segurança, isto é, 25 de setembro de 2005, segundo o art. 168, I, do Código Tributário Nacional (CTN), na redação da Lei Complementar n. 118, de 9 de fevereiro de 2005 ([1]);

(b) com relação ao futuro: até a data da modificação do estado de fato ou de direito, conforme o art. 505 do Código de Processo Civil (CPC) ([2]).

Tanto o PIS quanto a COFINS são objetos de relações tributárias, que são tidas como relações jurídica de trato continuado. Por isso, a decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS, projeta efeitos para o futuro, até sobrevir modificação no estado de fato ou de direito — CPC, Art. 505, I (“Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”).

Até o presente momento, não ocorreu nenhuma alteração no estado de fato ou de direto que impeça a produção de efeitos jurídicos pela decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, no caso da Empresa Y.

No que diz respeito à segunda questão, não há  dúvida que a decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS, no caso da Empresa Y, também produz efeitos após 31 de dezembro de 2014, quando iniciou a vigência da Lei n. 12.973, de 13 de maio de 2014. A questão foi enfrentada pelo voto condutor do acórdão que proveu a apelação, de lavra do i. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, que chegou à seguinte conclusão:

É de sinalar-se, ademais, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal aplica-se mesmo após a alteração legislativa efetuada pela Lei n. 12.973, de 2014, conforme entendeu a Corte Especial deste Tribunal ao declarar a perda de objeto do incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n. 5051557-64.2015.404.0000, no pressuposto de que ‘se a alteração da legislação realmente tivesse importado em modificação do conceito de receita bruta contido na redação anterior dos dispositivos em voga, o próprio Supremo Tribunal Federal teria declarado a perda de objeto do RE 574.706, deixando de pronunciar a tese do Tema n. 69’ (TRF4, Questão de Ordem no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n. 5051557-64.2015.404.000, Corte Especial, Rel. p/ Acórdão Des. Federal Fernando Quadros da Silva, juntado aos Autos em 30-07-2018).

Não poderia ser diferente. Quando o STF firmou a tese de repercussão geral, segundo a qual “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”, um dos votos vencidos, de lavra do i. Min. Gilmar Mendes, sublinhou que a questão constitucional do RE 574.706/PR seria a seguinte:

A questão constitucional que aqui se apresenta diz respeito à possibilidade de inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

As referidas contribuições incidem sobre o faturamento das pessoas jurídicas de direito privado, definido como a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-lei 1.598/1977, consoante os arts. 2. e 3. da Lei 9.718/98, com redação dada pela Lei 12.973/2014.

Portanto, um parâmetro importante para a solução da questão é o conceito jurídico-constitucional de faturamento, elencado como uma das possíveis bases tributáveis para as contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social, nos termos do art. 195, inciso I, ‘b’, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 20/1998, verbis:

[…]

O problema reside, assim, em saber se o ICMS destacado nas notas fiscais de vendas de mercadorias ou serviços integra o conceito de faturamento, para fins de cobrança do PIS e da COFINS.” ([3])

Mais adiante, o i. Min. Gilmar Mendes envidou esforços para tentar persuadir os demais Ministros do STF de que o PIS e a COFINS incidiriam sobre o Icms, a partir do art. 12 do Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, na redação da Lei n. 12.973, de 13 de maio de 2014:

Vejam, Senhores Ministros, o art. 12 do Decreto-Lei 1.598/1977, com redação dada pela Lei 12.973/2014, define o conceito de receita bruta nos seguintes termos:

‘Art. 12. A receita bruta compreende: I – o produto da venda de bens nas operações de conta própria; II – o preço da prestação de serviços em geral; III – o resultado auferido nas operações de conta alheia; IV – as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III. […] § 4º Na receita bruta não se incluem os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário’.

Ou seja, estão expressamente excluídos da base de cálculo da contribuição os tributos não cumulativos devidos na condição de mero depositário, entre os quais não se inclui o ICMS. E não se inclui por uma razão muito simples: porque o contribuinte, na hipótese, não opera como mero depositário, conforme salientei anteriormente, diversamente do que se pretende fazer crer com a tese contrária defendida neste Plenário.

Com isso, quero dizer algo extremamente simples: respeitado o núcleo essencial, o legislador pode regular a matéria determinando o que se inclui ou não no conceito.” ([4])

Como se pode perceber, o ponto de partida do raciocínio jurídico de que a decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins não produziria efeitos após 31 de dezembro de 2014 não encontra, de forma alguma, referência empírica na análise da questão constitucional efetuada pelo STF. Isso porque os motivos determinantes (obiter dicta) do precedente do STF não giraram em torno da legislação vigente à época, mas da interpretação do conceito constitucional de faturamento, previsto pelo art. 195, I, ‘b’, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 ([5]). Logo, enquanto o art. 195, I, ‘b’, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, atribuir competência para a União instituir contribuições para a seguridade social a cargo do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei incidentes sobre a receita ou o faturamento, o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e COFINS.

Trata-se do fenômeno que a doutrina e jurisprudência denominam eficácia transcendente da motivação.  A respeito, ensina Marinoni:

Com a expressão ‘eficácia transcendente da motivação’ pretende-se passar o significado de eficácia que, advinda da fundamentação, recai sobre situações que, embora especificamente distintas, têm grande semelhança com a já decidida pela Corte ao decidir. Assim, se a norma X foi considerada inconstitucional em virtude das razões Y, a norma Z, substancialmente idêntica a X, exige a aplicação das razões Y.” ([6])

O raciocínio jurídico de que a decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS não produziria efeitos após 31 de dezembro de 2014 também não leva em consideração que um enunciado normativo nem sempre corresponde a uma norma ou vice-versa. O enunciado normativo é todo e qualquer dispositivo que pertence a uma fonte formal do direito, ao passo que a norma é o conteúdo de sentido atribuído por meio da interpretação e aplicação de um ou mais enunciados normativos ([7]).

Portanto, o fato de os enunciados normativos — no caso, o art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998, na redação original ([8]), de um lado, e o art. 3º, caput, da Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998, na redação da Lei n. 12.973, de 12 de maio de 2014 (), de outro — serem diferentes um em relação ao outro, não significa, a rigor, que correspondam a normas diferentes. Ao contrário, o art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998, na redação original, e o art. 3º, caput, da Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998, na redação da Lei n. 12.973, de 12 de maio de 2014, correspondem à mesma norma: o ICMS compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS — em sentido contrário à tese de repercussão geral que foi firmada pelo STF no RE 574.706/PR ([9]).

III.

Ante ao exposto, respondemos às questões que foram formuladas pela Empresa Y:

  1. A eficácia, no tempo, da decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS pode ser analisada da seguinte forma:

(a) com relação ao passado: até 5 (cinco) anteriores à data da impetração do mandado de segurança, isto é, 25 de setembro de 2005, segundo o art. 168, I, do CTN, na redação da Lei Complementar n. 118, de 9 de fevereiro de 2005;

(b) com relação ao futuro: 0 até a data da modificação do estado de fato ou de direito, conforme o art. 505 do CPC;

(c) até o presente momento, não ocorreu nenhuma modificação no estado de fato ou de direto que impeça a produção de efeitos jurídicos pela decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS.

  1. No caso da Empresa Y, a decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS também produz efeitos após 31 de dezembro de 2014, quando iniciou a vigência da Lei n. 12.973, de 13 de maio de 2014.
  2. Dada a resposta anterior, não será necessária a impetração de outro mandado de segurança, a fim de garantir o direito líquido e certo à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS após 31 de dezembro de 2014.

S.m.j., é o parecer.

 

[1]() “Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I – nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário”.

[2]() “Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.

[3]() RE 574.706/PR, STF, Tribunal Pleno, Rel.ª Min.ª Carmen Lúcia, mv, j. 15.03.2017, DJe 29.09.2017.

[4]() RE 574.706/PR, STF, Tribunal Pleno, Rel.ª Min.ª Carmen Lúcia, mv, j. 15.03.2017, DJe 29.09.2017.

[5]() “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: […] b) a receita ou o faturamento”.

[6]() Marinoni, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 5 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 196.

[7]() “1. Due accezioni di ‘norma’: l’enunciato e il suo significato. – Il vocabolo ‘norma’ é largamente usato – nel linguaggio dottrinale, nel linguaggio giudiziale, e persino nel linguaggio delle fonti – in modo incostante. (a) Talvolta, si dice ‘norma’ un enunciato delle fonti normative. (b) Talaltra, si dice ‘norma’ Il significato  – il contenuto di senso – di um enunciato normativo (o di um segmento di enunciato normativo, o di una combinzione di enunciati normativi). (c) Spesso, si usa ‘norma’ per riferirsi congiuntamente e indifferentemente all’una e all’altra cosa, quase che ogni enunciato incorporasse un unico, unívoco, senso. Prendiamo ad esempio due espressioni ricorrenti nei discorsi di giuristi e giudici: ‘interpretazione di norme’ e ‘applicazione di norme’. Palesemente, il vocabolo ‘norma’ non ha il medesimo significato nella prima e nella seconda espressione. Allorché si parla di interpretazione di norme, il vocabolo ‘norma’ designa un enunciato del discorso normativo, giacché l’interpretazione è attività che si esercita su testi. Per contro, quando se parla di applicazione di norme, lo stesso vocabolo ‘norma’ si riferisce al contenuto di significato di un enunciato legislativo, determinato appunto mediante interpretazione, dal momento che nessun testo normativo puó essere applicato se non previa interpretazione, se non dopo averne determinato il contenuto di senso. Malgrado l’uso comune non distingua, conviene tracciare uma netta línea di demarcazione tra i testi normativi e il loro contenuto di significato, introducendo uma terminologia ad hoc. Conformemente ad un modo di esprimersi ormai in uso: (a) diremo ‘disposizione’ ogni enunciato appartenente ad una fonte del diritto; (b) diremo ‘norma’ in senso lato (non la disposizione stessa, ma) il suo contenuto di senso, il suo significato, che è una variable dependente dell’interpretazione. In questo senso, la disposizione constituisce l’oggetto dell’attivitá interpretativa, la norma il suo risultato. La disposizione è un enunciato del linguaggio delle fonti soggetto ad interpretazione e ancora da interpretare. La norma è piuttosto una disposizione interpretata e, in tal modo, riformulata dall’interprete: essa è dunque un enunciato del linguaggio degli interpreti. La distinzione é reza necessária dal fato che tra le disposizioni e la norme non si dà correspondeza biunívoca. Ciò per molte ragioni”.  Guastini, Riccardo. Le fonti del diritto. Milano: Giuffrè, 2010, p. 35-36.

[8]() “Art. 3º O faturamento a que se refere o art. 2º compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977.”

[9]() RE 574.706/PR, STF, Tribunal Pleno, Rel.ª Min.ª Carmen Lúcia, mv, j. 15.03.2017, DJe 29.09.2017.

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